domingo, 28 de fevereiro de 2010

Passarim



José Mindlin morreu hoje, dia 28/02/2010, de falência múltipla dos órgãos.

Conheci-o pessoalmente em um evento na Casa das Rosas, onde ele falava sobre livros e paixões, ao lado do Fred Barbosa.

"Podia ser meu avó" pensei... "e eu podia morar dentro da Biblioteca dele..."

Cheio de delicadeza, hoje partiu. Assim... como um passarim...

˜Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato˜ - Drummond

Modinha de ser poeta


Fragmento do meu livro Atrás de tudo estão todos (1996)
(nunca publicado, porque eu não sou uma artista, que tem fome)


Ontem fui à casa da minha mãe pegar meus livros (Chalaça e Terra Papagalli) para o marido levar para o Roberto Torero autografar (eles estão trabalhando juntos) porque eu sou fã confessa do humor fantástico deste escritor que poucos conhecem.

Chegando lá me perdi lendo livros antigos, coletâneas que escrevi e pensamentos sobre tantas e tantos (coisas e coisos) que me permiti pensar: texto guardado na gaveta faz a gente rir de nós mesmos depois que o tempo passa...
Alguns escritos parecem bons e dão a sensação de que só precisam ser burilados, outros dão a sensação de que nunca deveriam ter sido escritos.

Isto me levou à um texto do Rubem Alves (que não gosto, porque acho-o pedante, arrogante e sem talento para morar no infinito das letras, apesar dele querer ser e se propagar homem simples, erudito, poeta e educado, enfim ... gosto se discute e dele eu não gosto!), mas li algo dele que transcrevo aqui porque me fez pensar neste post de hoje.

Se você acha que é poeta e que poesia você encontra em momentos de inspiração... devo deixar claro, que não acho que o ofício de fazer arte (seja ela escrita, pintada ou qualquer outro tipo de manifestação) chega por acaso aos espíritos iluminados.
Arte é transpiração, dom e talento. Não separado, mas tudo junto.
Para ser artista (não de tv, mas da própria história) é preciso ter algo que te mova em sentido aquela manifestação de fazer, de falar , de ser. É preciso vontade de trabalhar neste projeto noite e dia, seja braçalmente ou mentalmente. É preciso ter talento, para descobrir ao final do suor, que dali saiu algo maior, que nem você estava preparado para ver, ou para viver, para mostrar.

Arte é um tormento e uma paz. É arrancar do peito uma dor, dos dedos uma dor, dos olhos uma dor, da mente uma dor... não uma dor de ter perdido algo ou alguém, mas uma dor de saber que você é maior do que um corpo físico e que dentro do seu ser algo explode querendo mostrar ao mundo... UM ARTISTA... de fome!

Se você acha que poesia é só escrever pensamentos, impressões e falsear Manoel de Barros em blogs que outros falsos poetas frequentam... se você acha que para ser poeta basta apenas vomitar suas tristezas sobre o papel e guardar na gaveta... se você acha que frequentando eventos culturais sua alma já está vestida e lavada de poesia...

...devo ser sincera e dizer-lhe:

Deixe de modismo e vai trabalhar vagabundo!

* * *


Trecho de uma resposta do Rubem Alves (que não serve para o meu viver, mas que "inspirou" o post de hoje) :
˜Lamento mas minha prioridade de vida é botar os meus ovos, escrever as coisas que me dóem... Os seus poemas dóem em você? Ficam atormentando você, pedindo para ser escritos? Ou são simples coceiras? Só se meta a ser poeta se seus poemas doerem muito... Escrever poesia é um ofício terrível. Primeiro porque há poetas gigantescos como Fernando Pessoa, Hilda Hilst, Cecília Meireles. Segundo, porque é muito difícil que as editoras publiquem livros de poemas. Poesia, com raríssimas exceções, é mau negócio. Dá prejuízo.

Seus poemas nascem de inspiração? Leia atentamente essa precisa descrição da experiência da inspiração, feita por Nietzsche e, honestamente, diga se esse é o seu caso. "Será que alguém, ao final do século dezenove, tem uma idéia clara daquilo a que os poetas das eras fortes chamaram pelo nome de inspiração? Se não, vou descrevê-la. Repentinamente, com certeza e sutileza indescritíveis, algo se torna visível, audível, algo que nos sacode em nossas últimas profundezas e nos lança por terra... A gente não busca; ouve. Não pede ou dá; aceita. Como um relâmpago, um pensamento se ilumina de forma irresistível, sem hesitações com respeito à sua forma. Eu nunca tive qualquer escolha! Tudo acontece de forma involuntária no mais alto grau, mas como uma onda enorme de liberdade, um sentimento de algo absoluto, de poder, de divindade." É assim que acontece com você?

Se é assim que acontece com você, então, vale a pena prosseguir. Não pelos livros que você venha a publicar, mas pela simples alegria de... botar o seu ovo...

O que melhor posso fazer é dar a você, e a todos os que amam poesia, algumas sugestões.

Leia, em primeiro lugar, o maravilhoso livro de Rainer Maria Rilke Cartas a um jovem poeta. São cartas de enorme delicadeza, sensibilidade e honestidade. Rilke as escreveu a um jovem que lhe enviara poemas de sua autoria, pedindo que o poeta desse a sua opinião. Que tempo maravilhoso aquele, quando o tempo andava devagar, e havia tempo para se escrever longas cartas em papel, com tinta, caneta, mataborrão, envelope, selo e caminhadas até o correio... Tempo feliz aquele, quando a chegada do carteiro era um evento grave, pois se sabia que cartas eram, sempre, portadoras do essencial.

Leia, depois, o Manoel de Barros, poeta matogrossense... Livro sobre nada, Livro de pré-coisas, Arranjos para assobio, O livro das ignorãnças... O Manoel de Barros é mestre de aforismos, afirmações curtas, marteladas na cabeça de um prego, que desarrumam o arrumado e fazem pensar. "Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria". "A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos." "Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção." "Tem mais presença em mim o que me falta." "Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar." "Eu queria avançar para o começo. Chegar ao acriançamento das palavras." "Deus deu forma. Os artistas desformam. É preciso desformar o mundo: Tirar da natureza as naturalidades. Fazer cavalo verde, por exemplo. Fazer noiva camponesa voar - como em Chagall..."

E ler, bovinamente, ruminantemente, em voz alta, os poetas... É preciso ler em voz alta. Poesia não é pensamento. É música. Você sabe ler? Claro: eu sei que você sabe ler... Mas não é isso que estou perguntando. Estou perguntando se, ao ler, suas palavras fazem música. E os seus poemas? Que música fazem eles? Leia Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Mário Quintana, Adélia Prado, Cecília Meireles, Hilda Hilst, Chico Buarque, Vinícius...

Para terminar, vou transcrever o que Rilke escreveu ao término de sua primeira carta: "Mas talvez se dê o caso de ter o senhor de renunciar a se tornar poeta. Basta sentir que poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo..."

Hoje, vou beber com Lupicínio...




Arrigo Barnabé em “Caixa de Ódio”
- o universo de Lupicínio Rodrigues [imperdível!]
com Paulo Braga e Sergio Espíndola
Domingo [07, 21 e 28/02] 21h30_ R$35

“Não acredito em nada que não tenha angústia, isso talvez seja o que mais me atrai nas canções de Lupicínio, e também a raiva, gosto muito de trabalhar com a raiva, a revolta. Nele tudo é verdadeiro, e raiva e angústia é meio difícil fingir. Pela observação do ser humano nas situações limites da dor amorosa, por esse humor que permeia as canções, um humor voltado para a ironia e o sarcasmo, por tudo isso estava atravessada a vontade de cantar Lupicínio”.
http://www.casadefrancisca.art.br

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Na vertigem do dia

Foto arquivo pessoal

(Ferreira Gullar)


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


(em 'Na Vertigem do Dia', 1975-1980)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Os anjos caídos



O Fim do Cordel do Fogo Encantado por Micheliny Verunschk


" Num dia qualquer de 1996, eu e Lirinha começamos a pesquisar juntos as manifestações culturais de Arcoverde, nossa cidade com a ajuda do mestre coquista Lula Calixto. Eu, com fins acadêmicos, ele com a curiosidade do artista em formação. O nome da banda surgiu numa tarde na casa da minha mãe, depois de uma lista de sugestões preteridas. Veio o nome, várias (mas várias mesmo) formações, a ida para o Recife, a vinda para São Paulo onde nos encontramos vizinhos de novo. Hoje o Cordel do Fogo Encantado acaba oficialmente e eu sei como foi difícil esse ponto final. Não me entristeço, porque tenho muito orgulho do trabalho que vi nascer e que de um modo que ninguém mais sabe, a não ser as pessoas mais íntimas, faz parte da minha vida. Fica a história e fica a memória. E isso é tudo."


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sem nome e de partidas...


CANTARES DO SEM-NOME E DE PARTIDAS.
(Hilda Hilst)

I

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

II

E só me veja

No não merecimento das conquistas.
De pé. Nas plataformas, nas escadas
Ou através de umas janelas baças:
Uma mulher no trem: perfil desabitado de carícias.
E só me veja no não merecimento e interdita:
Papéis, valises, tomos, sobretudos

Eu-alguém travestida de luto. (E um olhar
de púrpura e desgosto, vendo através de mim
navios e dorsos).

Dorsos de luz de águas mais profundas. Peixes.
Mas sobre mim, intensas, ilhargas juvenis
Machucadas de gozo.

E que jamais perceba o rocio da chama:
Este molhado fulgor sobre o meu rosto.

III

Isso de mim que anseia despedida
(Para perpetuar o que está sendo)
Não tem nome de amor. Nem é celeste
Ou terreno. Isso de mim é marulhoso
E tenro. Dançarino também. Isso de mim
É novo: Como quem come o que nada contém.
A impossível oquidão de um ovo.
Como se um tigre
Reversivo,
Veemente de seu avesso
Cantasse mansamente.

Não tem nome de amor. Nem se parece a mim.
Como pode ser isto? Ser tenro, marulhoso
Dançarino e novo, ter nome de ninguém
E preferir ausência e desconforto
Para guardar no eterno o coração do outro.

VII

Rios de rumor: meu peito te dizendo adeus.
Aldeia é o que sou. Aldeã de conceitos
Porque me fiz tanto de ressentimentos
Que o melhor é partir. E te mandar escritos.

Rios de rumor no peito: que te viram subir
A colina de alfafas, sem éguas e sem cabras
Mas com a mulher, aquela,
Que sempre diante dela me soube tão pequena.
Sabenças? Esqueci-as. Livros? Perdi-os.
Perdi-me tanto em ti
Que quando estou contigo não sou vista
E quando estás comigo vêem aquela.

VIII

Aquela que não te pertence por mais queira
(Porque ser pertencente
É entregar a alma a uma Cara, a de áspide
Escura e clara, negra e transparente), Ai!
Saber-se pertencente é ter mais nada.
É ter tudo também.
É como ter o rio, aquele que deságua
Nas infinitas águas de um sem-fim de ninguéns.
Aquela que não te pertence não tem corpo.
Porque corpo é um conceito suposto de matéria
E finito. E aquela é luz. E etérea.

Pertencente é não ter rosto. É ser amante
De um Outro que nem nome tem. Não é Deus nem Satã.
Não tem ilharga ou osso. Fende sem ofender.
É vida e ferida ao mesmo tempo, “ESSE”
Que bem me sabe inteira pertencida.

IX

Ilharga, osso, algumas vezes é tudo o que se tem.
Pensas de carne a ilha, e majestoso o osso.
E pensas maravilha quando pensas anca
Quando pensas virilha pensas gozo.
Mas tudo mais falece quando pensas tardança
E te despedes.
E quando pensas breve
Teu balbucio trêmulo, teu texto-desengano
Que te espia, e espia o pouco tempo te rondando a ilha.
E quando pensas VIDA QUE ESMORECE. E retomas
Luta, ascese, e as mós do tempo vão triturando
Tua esmaltada garganta... Mas assim mesmo
Canta! Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas...
Canta o começo e o fim. Como se fosse verdade
A esperança.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Dando o recado

Biblioteca São Paulo - Carandiru


"Pessoas queridas, há pouco mais de um mês iniciei um novo trabalho. estou na coordenação de programação cultural da recém-inaugurada biblioteca de são paulo, que pretende ser a "mãe de todas as bibliotecas do estado", uma biblioteca central nos moldes da festejada biblioteca de santiago, no chile. visitem, ajudem a divulgar, prestigiem nossa programação. para quem está fora de são paulo, quando passar pela cidade não deixe de aparecer, de repente a gente toma um café (ah, sim, eu não tomo café, mas tudo bem). enfim, para saber mais links: uma matéria que saiu no estadão (do dia da inauguração, semana passada) e o blog da biblioteca"

Matéria:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100208/not_imp507844,0.php


Biblioteca de São Paulo
Av. Cruzeiro do Sul, 2630
Santana 02031 000 fone 11 2089 0800
ao lado da estação Carandiru de metrô

beijocas mis!
(Micheliny Verunschk)

Me and You and Everyone We Know


"Queria tê-la conhecido 50 anos atrás. Mas talvez eu tenha precisado viver 70 anos para estar pronto para uma mulher como a Ellen."

Eu, Você e Todos Nós - Me and You and Everyone We Know

Sinopse: Christine Jesperson (Miranda July) é uma solitária artista plástica, que divide seu tempo entre suas criações e seu trabalho como motorista para pessoas idosas ou que não possam dirigir. Ao levar um de seus clientes a uma loja ela conhece Richard Swersey (John Hawkes), um vendedor de sapatos que a convence a comprar um par mais confortável. Richard se separou recentemente e agora mora com seus dois filhos, Peter (Miles Thompson) e Robby (Brandon Ratcliff), com quem tem um relacionamento distante. Logo Christine se interessa por Richard, mas ele ainda tem receio de iniciar um novo relacionamento
.

Abobrinhas, não!

Foto arquivo pessoal

Tem domingos que acordo com saudades do Itamar e me ponho a cantar...

Abobrinhas, não
Itamar Assumpção


cansei de ouvir abobrinhas
vou consultar escarolas
prefiro escutar salsinhas
pedir consolo às papoulas
e às carambolas

pedir um help ao repolho
indagar umas espigas
aprender com pés de alho
ouvir dicas das urtigas
e dessas tulipas

um toque pro miosótis
um palpite do alpiste
uma luz da flor de lótus
pedir alento ao cipreste
e pra dama da noite

pedir conselho à serralha
sugestão pro almeirão
idéias para azaléias
opinião para o limão, pimentão
abobrinhas não

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Caixinha de fósforo

Eu gosto tanto da Casa de Francisca que se pudesse, moraria lá dentro, com rádinho de pilha, cantando com Lupicínio... sozinha.


SozinhaLupicínio Rodrigues
Vivia sozinha,
Num ranchinho velho, feito de sopapo,
o seu rádio de noite era o canto de um sapo,
sua cama uma esteira entendida no chão.
Sua refeição era um bocado de charque e farinha,
pois nem prá comer a coitada não tinha,
sequer no café, um pedaço de pão.

Levei pro meu sítio,
troquei por cetim os seus trapos de chita,
até prá "marvada" se ver mais bonita
pus luz no seu quarto, invés de candeeiro.
E só por dinheiro, sabem o que fez essa ingrata mulher?:
fugiu com o doutor que eu mesmo chamei
e paguei prá curar os seus bichos-de-pé.

Assim me falou
um pobre matuto, coitado, chorando
em seu desespero foi me ensinando,
que em todo lugar mulher sempre é mulher.
Se pede uma flor e a gente lhe dá ela exige uma estrela
e se por acaso ela não obtê-la
se vai com o primeiro homem que lhe der.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Valentine's Day

Foto arquivo pessoal , envolta em voil... a pele.

Valentine´s Days.

Pegou o batom vermelho e contornou os lábios lentamente.

Os olhos, delineados, declaravam desejos secretos.

Colocou o corpete preto de veludo, para que as mãos deslizassem pelo corpo, sem tropeços. Deu dois lacinhos pequenos, para que se soltassem quando a música de amor tocasse, como nos filmes antigos, que via nos cineclubes do cidade.

Com o tule de suas telas, fez adereço para as costas, nuas.

Sentiu-me mulher, não fatal, mas com asas.

Rasgou o tecido de Voil, que passara a noite desenhando (leve, semi-transparente e simples mas que em suas pequenas mãos parecia chantilly escorrendo entre os dedos) e amarrou na cintura como se fosse um sari. Nele havia desenhos de desejos, nele um conto, nele palavras deitadas que lhe moldavam a pele)... mais bonito e sensual do que qualquer vestido de manequim, tinha certeza.

Pegou o perfume que mais gostava, Very Irrésistible - Eau de Parfum - Givenchy, o liláz que seduzia o olfato e deixava um rastro de desejo da nuca ao tornozelo, e romanticamente vaporizou duas gotas no ar.

Projetou os seios para frente e entrou na nuvem delicada de cheiro.
Sentia-se audaciosa, afinal era Valentine´s Day.

No quarto, espalhou rosas. Forrou as paredes com cortinas desenhadas por si mesma. Cada parte, contava uma estória de mil e uma noites. Era para o tempo se perder, para os olhos se perderem, para não encontrarem o caminho de volta.

Espalhou poemas impublicáveis de Drummond pelo aparador. Ah, Drummond, moço de tantos poemas que nunca tivera coragem de ler com ninguém ... " Talvez que a moça hoje em dia... Talvez. O certo é que nunca. E se tanto se furtara com tais fugas e arabescos e tão surda teimosia, por que hoje se abriria? Por que viria ofertar-me quando a noite já vai fria..." releu baixinho...

Abriu um prosecco, adorava. O líquido escorreu pela sua boca e ela tocou os lábios, antecipando prazeres.

Beber lhe dava uma ousadia que a fazia corar no dia seguinte, diante das lembranças ...

Ligou o som e deixou o ar se invadir de Sade (a cantora e o Marquês).

Com a taça entre os dedos, dançando devagarzinho, cantarolou sussurrando "Your love is king...crown you in my heart. Your kisses ring...round and round and round my head. I'm coming up, I'm coming. You're making me dance, inside..." . Esta canção a enchia de paixão, traduzia exatamente o que sentia naquele instante, o que queria dizer.

Sorriu levemente, subiu a meia de seda até o alto da coxa... a campainha tocou como sino de castelo antigo.

Ela correu para colocar o par de sapato de salto alto, com coração de strass nos pés...

Enquanto se encaminhava para a porta a música repetia baixinho "your love is real...is real"

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Memórias...

Foto arquivo pessoal: Praia Ecológica / BA - 23/12/2009


... de minhas putas tristes - Gabriel Garcia Marquez.

"No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma de suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza de meus princípios. Também a moral é uma questão de tempo dizia com sorriso maligno, você vai ver. "

Em seu aniversário de 90 anos, um cronista , cujo vida foi desprovida de afeto, pelo medo de se entregar, pretende presentear a si mesmo com uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Porém, ao vê-la dormindo, não tem coragem de acordá-la e se apaixona pela garota adormecida.
É um livro curto (nem sei porque dou esta informação, talvez porque CEM ANOS DE SOLIDÃO, eu li em uma semana, em outra praia, em outros carnavais... e era um bloco emocional que fazia pesar cem quilos sob o peito quando eu me deitava na areia para viver entre os silêncios dos Buendía)...
Este dá pra ler até a quarta-feira de cinzas...

Faça como eu, passe um esmalte laranja bemmm fooorte, vermelho aberto mesmo, Garota Verão (coisa que nunca faço, pois sou básica e gosto de translúcidos) e leve o Memórias pra passear com você.
Escolha um canto que dê vista para o mar, proteja os olhos e a pele e deixe o peito aberto. Lembre-se que Marquez tem poesia nos vãos... e se deixe levar pela beleza dele.
Se o nome não te fez parar na Livraria (a mim fez, primeiro porque imaginei luxúrias mil e depois porque havia um tom nostálgico e de tristeza no título que me seduziu)... não te preocupa. Volta lá e leia um parágrafo inteiro, e se deixe encantar pelo moço antigo que levou seus pertences, para o canto da puta, para o quarto da virgem, pra poder amar...
É bonito o livro, bom pra começar o ano, pra repensar o sentido da vida e suas próprias escolhas.
Ouse... pinte as unhas de vermelho ...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Dorso de mar



doce do mar docedoce do mar tantodoce do mar o sal
...
F.

Sauna Finlandesa

Neste novo livro de contos de Marcelo Mirisola, o autor de O herói devolvido leva seu estilo característico a um novo patamar, agregando "fluência e muito mais humor" à sua ficção "tisnada de realismo sardônico", no dizer do colega Reinaldo Moraes. Os fãs do escritor vão se surpreender com textos antológicos como "Sobre os ombros dourados da felicidade", "Os gorilas de Sumatra" e "Mesa 5", carregados de um lirismo profundo e corrosivo.
Para comprar: Atravesse!
Lançamento da Sauna Finlandesa em São Paulo: dia 23 de fevereiro nos Parlapatões.
A partir das 19h até o último bebum. Apareçam

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Vênus no banheiro

Detalhe de parede - banheiro, Arraial D´Ajuda
Praia do Parracho


* * *

a cabeça oca
vermelha touca
cobra coral


lambo-lhe a boca
os dedos do pé
os cabelos do corpo


labaredas de fogo
fogo de inverno
fogo de mercúrio

Vênus desceu
do Cosmo
Vênus sou Eu


teia de aranha
Caranguejo anda
de lado e desanda

em São Paulo tem Café
na Bahia tem Coca

corro atrás de quem está na frente
e quem está atrás de mim corre também

cobra corre e escorre
lânguida e morna
boca vermelha

língua cintilante
olhos piscantes
veneno fatal


sem repouso, escoa
e no asfalto preto
incendeia


verMElha

domingo, 7 de fevereiro de 2010

500 dias de Verão



Todo mundo sabe que se eu pudesse, minha vida seria filme. Alguns me fazem chorar, mesmo sem ter nada EMOCIONANTE, outros me divertem e tem uns que entram para o meu coração e arrasa o quarteirão.

As vezes, uma cena, uma situação, um pensamento e pronto... lá vem corredeira sob cílios.

Este ano, desde que voltei de férias (há 10 dias atrás) já assisti uns 12 filmes. E, 500 dias com Ela, é o que hoje indico.

Não é nenhuma super produção americana e não é nenhum filme francês para causar tristeza dentro de nós.

Este filme é para quem já esteve apaixonado, para quem está apaixonado por alguém que partiu (e te partiu) ou para alguém que acha que este mundo é estranho e o amor tomou uma estrada que passa bem longe do seu coração.

É para moços e moças que acreditam em encontros ao acaso, coisa do destino e gostam... dos smiths e pixies!

Não é para qualquer um, é apenas para poucos (talvez para nós, os bobos, que ainda tenham o coração juvenil e que gostam de Amélie Pouilan, A história sem fim e outras lendas e películas antigas).

Detalhe: eu queria ser ela, mas eu sou ele!

Sinopse:
Na história, que abrange os quinhentos dias do título, Joseph Gordon-Levitt vive Tom, um criador de cartões comemorativos, em busca do amor de sua vida. No escritório ele conhece a bela Summer(daí o nome original intraduzível do filme, (500) Dias de Summer ou "Verão"), interpretada pela adorável Zooey Deschanel. Os dois desenvolvem um relação, mas há um problema: ela não acredita no amor.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Recordações

Foto arquivo pessoal: contracapa de caderno

Em 1984 eu tinha 12 anos, um Pai fantástico e uma família que parecia ser a própria luz de todos os Natais. Era comum, naquela época, ser menina com direito a caderno de recordações, trança nos cabelos e saia branca com shorts vermelho nas aulas de educação física.
Aos 12 anos eu já tinha lido o meu primeiro Machado de Assis (Relíquias de Casa Velha) e não entendia o que aquela escrita absurda queria dizer, mas me assustou e muito o conto Sem Olhos e até hoje acho que é um dos melhores que já li em todos os tempos.

Aos 12 anos eu escrevia poemas com rimas, eu escrevia cartas manuscritas, eu escrevia cartões de todos os tipos, eu ouvia novelas de rádio (acreditem, é verdade) e achava que quando crescesse seria uma pessoa GRANDIOSA.

Naquela época, embora criança, eu já sabia que queria me casar (de véu e grinalda) , que queria ter 3 filhos (uma menina e depois um casal de gêmeos) e que antes disto tudo eu viajaria pelo mundo e teria muitas e muitas histórias para contar para os netos.

O tempo passou e muitas coisas aconteceram diferente do que planejei.

Viajei o tanto quanto possível, tenho um moço-marido que é meu bem-querer, não tenho filhos (porque depois dos 20 ainda era cedo, aos 30 faltava um amor pra chamar de meu e depois... bem tem coisas que a gente deixa pra depois sem saber mesmo o porquê) e algumas coisas simplesmente não aconteceram.

Sou comum, apenas mais uma moça sem nome no meio da multidão. Não escalei o topo do Everest, não deixei marca nenhuma em nenhum lugar. Não pari e tive a tristeza de ver meu pai partir.

No final do ano , encontrei meu Caderno de Recordação antigo, guardado na casa da minha mãe. Sentei e perdi a hora lendo cada mensagem escrita. Foram tantas lembranças boas, tantas saudades daquela eu, que foi difícil acreditar que aquela menina moça cheia de sonhos e fantasias é a mesma que sou hoje.

Minhas amigas escreveram páginas inteiras de dedicatórias , de contação de estórias, de todos os dias que vivemos juntas. Deu mesmo uma vontade de abrir o berreiro sem medo e soltar todos os monstros que a gente insiste em guardar no sótão.

Tenho mania de fazer uma lista das coisas que quero que me aconteça, que eu quero fazer acontecer. Em 2010, vou fazer diferente ...e nada de listas na minha agenda pessoal!

Vou deixar algumas coisas "me" acontecer e seja o que Deus quiser, estarei pronta para o que der e vier!

Nos encontraremos aqui, neste caderno de recordações virtual, que não irá se amarelar pelo tempo (como o meu antigo, velhinho e puído de 25 anos atrás) e poderá ser lido a qualquer hora em qualquer lugar.

Beijoprocês!

Sônia, a Letreira.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Noturna e Imperfeita

Foto arquivo pessoal: de volta à tela


Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

- Hilda Hilst -


Esse cavalo morto no jardim


Manu Maltez, é puro risco no peito. Na Casa de Francisca, tenho certeza, vai ser de arrepiar.

Com ele:  Thaís Nicodemo no piano, Micaela Marcondes ao violino, Rafael Y Castro na percussão, Abid Santiago no trombone, e contando ainda com as presenças de Fabio Barros na viola caipira e Rafa Barreto na guitarra. 

Bora lá, cambada.