domingo, 11 de abril de 2010
Pedras no sapato
sábado, 7 de março de 2009
Rugindo, rasgando, roendo...
"Viver e inventar. Eu tentei. Acho que tentei. Inventar. Não é bem essa a palavra. Viver também não é. Seja. Eu tentei. Enquanto dentro de mim ia e vinha a besta feroz da seriedade, rugindo, rasgando, roendo. Eu fiz isso. E completamente sozinho, bem escondido, fiz o papel de palhaço, sozinho, hora após hora, imóvel, muitas vezes de pé, numa atitude de enfeitiçado, gemendo. Isso, gemendo. (...) Me perseguiam, eles, os maiores, os justos, me agarravam, me batiam, me faziam voltar para a roda, a partida, a alegria. Eu já era uma vítima da seriedade. Foi minha grande doença. Nasci sério como tem gente que nasce sifilítico. E foi com seriedade que tentei deixar de sê-lo, viver, inventar, eu sei o que estou dizendo. Mas a cada nova tentativa eu perdia a cabeça, me precipitava para minhas trevas como se fosse em direção a um santuário, me atirava aos pés daquele que não pode nem viver nem suportar o espetáculo dos outros vivendo."
No livro Malone Morre.
Tradução de Paulo Leminski.
SAMUEL BECKETT
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Rarefato
CARTA A KIRILOV
(do livro Rarefato – por Frederico Barbosa)
sábado, 27 de setembro de 2008
Soares Feitosa
Alguém gritou da balaustrada:
— Não é aqui não!
Era, era lá.
Uma casa antiga, um batente alto, era um orquidário.
Em tudo, uma paisagem velha como soem parecer essas florestas onde as orquídeas pendem e os pássaros chegam em rota migratória.
Não procurava pássaros, nem rotas, nem migrantes, nem orquídeas; haviam-me dito: numa velha casa, e sob uma roupa breve, os cabelos esquecidos porque os espelhos não eram convocados, mesmo assim, a beleza que sempre —... eram os olhos, isto, o olhar, ali, até...
Convocara sim as testemunhas e o dedo porque — foi dito entre os soluços e os silêncios — nem saberíamos catalogá-las, de tantas, as faltas, minhas, muito mais que as naus do catálogo dos aqueus, muito mais.
Suave como o entardecer, houvera um tempo, e agora, ali, distante, a ela, eu disse [as mãos estavam frias]:.
Não vou-te levar sozinha em viagem ilha.
Lá, deserta das outras, te tomarias de ilha e tédio.
Única maldição: sozinha!.
Aqui também — ela disse — o velho à balaustrada, ele grita o tempo todo: "Não é aqui não!"—
Ilha por ilha.
Imaginas que o mandei gritar — contra ti?
Ilha...?!.
É no convívio dos espelhos, mulher,
mulheres, que te queres bendita:
o passo da graça, nem que seja
à maneira de desembrulhar teus mortos.
Haverias de te esquecer de ti
porque das outras, o Poderoso não falava a sério, acho que não:
Parirás sob o medo!
Multiplicados sejam
os sofrimentos que não são.
Verdadeiros, só o tempo-espera,
só o tempo-só.
O resto, tudo volúpia!
Volúpia maior: a invasão da pélvis, os humores — e líquido em bolsa rasgada,
uma respiração ofegante, como se todos os deuses
de tuas narinas respirassem —
aonde vais nessa fúria?
O suor do meu rosto, sim, resigno-me!
Não posso fugir sem um espelho! (Ela disse)
.
Sagrar os espelhos, entre todas as mulheres,
dia e noite,
espelhos, a tua sina.
Eu te trouxe meias pretas.
Calça-as.
Está frio, está noite.
Lá.
Agora, gostaria de saber:
a quem o velho grita?
E, se quiseres deixar avisado,
toma o giz, escreve,
o teu, escreve-o:
— Fui eu!
terça-feira, 16 de setembro de 2008
A viagem do Elefante, fragmento.
Não há vento, porém a névoa parece mover-se em lentos turbilhões como se o próprio bóreas, em pessoa, a estivesse soprando desde o mais recôndito norte e dos gelos eternos. O que não está bem, confessemo-lo, é que, em situação tão delicada como esta, alguém se tenha posto aqui a puxar o lustro à prosa para sacar alguns reflexos poéticos sem pinta de originalidade. A esta hora os companheiros da caravana já deram com certeza pela falta do ausente, dois deles declararam-se voluntários para voltar atrás e salvar o desditoso náufrago, e isso seria muito de agradecer se não fosse a fama de poltrão que o iria acompanhar para o resto da vida, Imaginem, diria a voz pública, o tipo ali sentado, à espera de que aparecesse alguém a salvá-lo, há gente que não tem vergonha nenhuma.
domingo, 7 de setembro de 2008
Ressalva do Marcelo Mirisola
a velha, na verdade, é um travesti ..."
E eu achando que era uma senhora velha (no velho estilo Charles Buchowski!)"
sábado, 6 de setembro de 2008
Animais em Extinção, Marcelo Mirisola.

domingo, 27 de julho de 2008
Os Últimos Dias de Paupéria (I)
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim
sexta-feira, 25 de julho de 2008
Cartas sobre a mesa

O tempo, esta coisa estranha que nos rodeia.
Delicatessen
Hilda Hilst
Texto extraído do jornal “Correio Popular”, de Campinas-SP, edição de 01/03/1993.
sábado, 12 de julho de 2008
O Muro
"- E agora ?
O quê ?
Foi um interrogatório ou um julgamento ?
Julgamento – respondeu o guarda.
E então ? O que eles vão fazer de nós ?
O guarda respondeu secamente:
Vocês receberão a sentença nas celas. "
Jean Paul Sartre - O Muro
Quando comprei este livro (O Muro) eu nunca havia lido Sartre realmente. Já havia passado por fragmentos, contextos históricos e outras anotações de cabeceira, mas ler mesmo com vontade de guardar alguma coisa só pra mim, não havia lido não. Frágil na época, eu queria um texto forte que me desse um soco no estômago, que me causasse estranheza e me fizesse parir alguma idéia nova pra viver. Sentia necessidade de reagir mais fortemente contra a dor da inexistência que esmagava meu coração, achei que Sartre poderia me dar isto...
Num primeiro instante, eu senti na pele os horrores de Steinbock, Ibbieta e Mirbal. Eu conhecia aquela noite (todos foram condenados a morte e aguardavam a execução numa cela sombria diante da presença de um médico que poderia até não existir... não houvera interrogatório, foram julgados-culpados). Sim, eu conhecia aquele medo, o frio, o desespero, o fim. Chance nenhuma de defesa.
Nesta hora a cabeça não para de pensar, tudo atropeladamente, de forma desordenada e sadicamente. A dor é grande, angustiante, cansativa e terrivelmente voraz. Toma conta do dedão do pé ao último fio de cabelo...
Na época, Sartre me surpreendeu.
O Fim é algo que eu não esperava.
Sorri bobamente ao fechar o livro, Kafka ainda era meu grande herói...
quinta-feira, 3 de julho de 2008
Cartas a um jovem poeta (1)
Leio porque... ainda que Kappus fosse versador ruim, Rilke era um missivista dos bons e a carta primeira já mostra a delicadeza e a simplicidade verdadeira do poeta angustiado e inadaptado que era. Escritor russo, amigo de Cézanne e do escultor Rodin, existencialista em mim, parceiro de nankim.
"PRIMEIRA CARTA"
Cartas a um jovem poeta (2)
Cartas a um jovem poeta (3)

Cartas a um jovem poeta (4)

sexta-feira, 25 de abril de 2008
Aí vai meu coração
Foi um triângulo. A obra da Tarsila escrita era acanhada. De poucas palavras deixadas, vê-se cores carregadas. Na desigualdade da vida, naquele tempos (meados de 30) heranças e paixões eram casos sérios e os casos amorosos não podiam, nem deveriam, ser revelados.
Tudo foi trancado à 7 chaves. Mas, a importância de Tarsila na vida de Luis Martins não foi mero acaso. Por muitos anos, mantiveram segredo (ou quase, tendo em vista que muitos sabiam desta gangorra solitária que balançava o coração tarsiliano). Até que pós-morte (como sempre, com o que se guarda por não se ter coragem de rasgar coisas do coração selvagem) a filha de Luis e Anna Maria descobriu que o pai mantivera por 18 anos um caso com uma outra mulher. Sim, era ela, a Tarsila das tantas artes: "Abaporu", 1928; "O Lago", 1928; "O Ovo" ou "Urutu", 1928; "A Lua",1928; "Cartão Postal", 1929 e "Antropofagia", 1929.
Aí vai meu coração, não é um livro de fofocas. Ao entrar no universo alheio, de paixões e dores transcritas em cartas antigas, sente-se um aperto no peito por cada página que se vira. Dói um pouco, porque no fundo, sempre imagina-se finais felizes. Descobrimos porém, que a vida não é tão colorida quanto merecia ser e a máxima modernista é mais verdadeira que nunca "só a antropofagia nos une" desde sempre, para sempre.