segunda-feira, 6 de junho de 2011

A Terceira Margem do Rio


Junho é de choro mesmo e este ano não podia ser diferente. 

Hoje morreu meu melhor amigo.

Hoje partiu a pessoa na qual eu mais confiava, o amigo ao qual deixei muitas vezes e deixaria tantas outras, minha vida em suas mãos. Meu amigo de noite e de dia, de sorriso aberto e crises existenciais. Meu amigo de invernos rigorosos e de verões escaldantes. Meu amigo morreu e não sei se depois desta morte minha vida um dia ainda será igual a antigamente.

Eu acho que não, morro com ele. O melhor da minha existência, o que sobrou das minhas raras belezas, só ele viu e com ele morre. Eu fui uma pessoa melhor durante este tempo, eu pensava que com ele seria possível ter uma lojinha onde "Tinha de tudo um pouco e o céu também"

Meu amigo, só não era meu marido, mas era tão amado como se fosse. Ele sabia que nossas alianças era de outras vidas, então ficava fácil viver a vida ao lado dele, mesmo que a distância.

Ele sabia tudo de mim, eu sabia tudo o que ele queria que eu soubesse dele. Eu sei, que sabia mais do que ele imaginava, porque eu o lia nas entrelinhas e mesmo calada, eu o entendia e seguia, paciente, ao seu lado.

Meu amigo não vai mais voltar, não pro meu coração, pra minha vida ... e juro, tá um precipício aqui sob os meus pés e eu tô chorando igual um animal abatido mas que ainda vive.

Eu sabia que um dia ele partiria, assim como meu pai partiu, assim como eu partirei.

Desta vida a gente sabe... só se nasce pra morrer... E, enquanto não morremos, vamos vivemos... construindo histórias, afetos e sentimentos. E, tentando ser fortes, para chorar nossos mortos e não morrer com nossas tristezas.

"Cê vai, ocê fique, você nunca volte!"  

( Sua vida torna-se reclusa e sem sentido, a não ser pelo desejo obstinado de entender os motivos da ausência ...  “Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio-pondo perpétuo.” ) - Guimarães Rosa, A Terceira Margem do Rio.

Dez anos


Dez anos não voa, atropela. Tudo aquilo que você imaginou, não aconteceu. Quando era pra acontecer, você deixou de acreditar.

Eu não acredito - Pai - que já faz dez anos que você partiu (talvez nem queira acreditar mesmo).

Junho é tempo de enterrar meus mortos. Coração doído, sangra sempre. Cicatrizes, não curam... só as feridas, estas sim, desaparecem com o tempo.

Mais um primeiro domingo de junho, Pai. Há dez anos atrás, num mesmo domingo estranho assim, eu jogava terra na tua cova enquanto mil medos e mil dores e mil tristezas e mil choros e mil desesperos congelavam meu corpo trêmulo...

Mais um primeiro domingo de junho ... pai... e eu continuo enterrando tudo dentro de mim, sozinha, como sempre fiz...

Dez anos, Pai.

Eu daria dez minutos da minha existência pra você estar aqui agora, pra me fazer sorrir e então eu trocaria de lugar com você e partiria, sem medo...

Este junho, este inverno rigoroso, será para lembrar você, todos os dias, até que o sol se levante e me aqueça novamente. Até lá, Pai, na minha retina, teu caixão desce terra abaixo e meu coração ainda dói... como há dez anos atrás...

Caramuru


"...Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo."


(Clarice Lispector)

domingo, 5 de junho de 2011

Chamamento


Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

TatiT AQUI

Caixa preta


Leia devagar para não acabar...


Lucky Man



I know just where I am
...

But how many cornersdo I have to turn?
How many times do I have to learn?
All the love I have is in my mind?

Nada além

Beata de Bião, seria, será.
Dona de um  balcão e de umas prateleiras
Simplória, porque não nasci para ostentações ridículas e sociais.
Rica mesma, eu queria ser só de bem querer, de dignidade e honradez.
Um Café Literário, eu sonhei, pintei e bordei. Nele eu botaria o nome de Beata de Bião e chamaria uma cozinheira prendada para fazer bolinhos caseiros, para servir com chá de ervas fumegantes, enquanto os transeuntes entrariam para folhear livros distraidamente, antes do sol se pôr.
Assim, tudo junto.
Feito livro, feito filme, feito eu.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Totonha



Neste dia (um sábado em 2007) quando Marcelino leu este conto (Totonha) eu passei horas relembrando a fala. Este moço tem uma oralidade lindíssima. Lembra vó antiga, lembra o passado, lembra casa sem televisão, rua com lampião.

Agora eu sei, que ele bebeu da mãe todo este linguajar, estes trejeitos, estas formosuras e ficou mais admirável ainda.

A primeira vez que vi Marcelino (há tantos anos, que parecem décadas! ... lá no Itaú Cultural) eu fui fisgada pelos contos orais dele. Ele falava e não tinha quem falasse junto. Era tudo silêncio, porque aquela voz era tão original, tão distante das que conhecemos e ouvimos diariamente (é marcante, pausada, silábica, longelínea) que é pra parar mesmo, pra atentar os causos, conhecer os personagens, suas histórias.

Marcelino ganhou um Jabuti com este livro (Contos Negreiros) e acho que foi Totonha quem deu viu ?





Totonha - Marcelino Freire


Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso.

Deixa pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?


O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-lingüiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, ta me entendendo? Demente como um mosquito. Na bosta ali, da cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que eu. A química.

Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O risco da poeira? O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Número?

Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais esforço que o meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem melhor bê-á-bá? Assoletrar se a chuva vem? Se não vem?

Morrer, já sei. Comer, também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso de tatu. Adivinhar quando a coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa paciência!

Será que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só pra mocinha aí ficar contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga honestamente. Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente. Quem está atrás do nome não conta?

No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo menos aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase não mudo de roupa, quase não mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.

Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for. Não tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende?

Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente é que precisa saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha cabeça para escrever.

Ah, não vou.

Blogs do Marcelino:  
http://marcelinofreire.wordpress.com/

Cara e coroa


Todo mundo que passa por aqui sabe da minha admiração por este cara. Sem falsetes, sem joguetes, sem medo de jogar a moeda pro alto e perder (ou ganhar!)

"não existe sorte, azar não existe, tudo é risco, arrisque, leão de zôo tem os olhos tristes"

Eu gosto do jeito que ele escreve no Espelunca, eu passo por lá sempre. E, eu vou morrer achando, que ele tinha tudo pra ser meu irmão.

O Ademir é um cara sério que quando fala a gente respeita e sabe que ali não tem malandragem, não com ele, não mesmo.

Não joga em lado nenhum, joga do jeito dele e com isto nos arrasta para este turbilhão de sentimentos e vontade de fazer revoluções em zonas fantasmas.

Está fazendo 50 anos hoje (03/06/2011) e vai ter festa. Eu estou aqui, festejando junto, em palavras. 

A moeda dele, pra mim,  tem só um lado: é o Cara.


"E como não poderia deixar de ser, um poema para festejar. Um bilhete para meus pais, que infelizmente não puderam esperar pra me verem cinqüentão:"


BILHETE DE ANIVERSÁRIO


valeu meu pai valeu minha mãe
por me botarem nesse mundo maluco
nenhum anjo torto louco barroco
veio me avisar, mas eu logo entendi
que não nasci pra eunuco

no balanço veloz do trem
até que as coisas vão bem
nenhum acidente grave
nenhuma dor sem remédio
algumas bolas na trave
nenhuma visita do além

algumas mortes, dias de desespero
tem noites de grande atropelo
vontade de me trancar no banheiro
às vezes um negrume no peito

mas nada que não tenha jeito
nada que não tenha conserto

até que sou um cara de sorte
tenho dois filhos bacanas
uma garota que eu sei que me ama
e no cinzeiro uma boa bagana

descansem em paz, não se preocupem comigo
não tenho muito dinheiro
mas não me faltam amigos

na medida do impossível
vou tocando meu barco
no meio do nevoeiro



Sertânia




Dona Maria do Carmo, mãe de Marcelino Freire, mostra porque o filho é tão vigoroso em suas falas marcantes

"Não sou agoniada, sou uma senhora determinada... até hoje tenho coragem!"

Linda, viu...