sábado, 21 de agosto de 2010

Eu mostro a boca molhada




Negue

Maria Bethânia

Composição: Adelino Moreira/Enzo de Almeida Passos


Negue seu amor, o seu carinho
Diga que você já me esqueceu
Pise, machucando com jeitinho
Este coração que ainda é seu

Diga que meu pranto é covardia
Mas não se esqueça
Que você foi meu um dia

Diga que já não me quer
Negue que me pertenceu
Que eu mostro a boca molhada
Ainda marcada pelo beijo seu

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Coracao de Baunilha

Eu sou moça de pequenas doçuras e travessuras. Colo bilhetes em agendas e escrevo poemas em rodapés de livros. Ainda hoje, escrevo com batom vermelho no espelho do banheiro, letras de canções para dar bom-dia ao marido em manhãs especiais. Desenho coração com flecha e leio mensagens que vem no envelope do açúcar União ("sorria mais" "invente menos problemas") enquanto adoço o chá devagarzinho...



Hoje, tenho menos sonhos, mas os que permanecem no campo do meu querer me fazem acreditar que meu coração é grande e o mundo inteiro cabe dentro dele.


Das histórias que criei para viver um dia, tem a que mais amo e creio que um dia irei realizar : ser a Moça do Beata de Bião.

Beata de Bião será meu café literário em Portugal!

Esta história é antiga e agrega um monte de delicadezas e até mesmo de ingenuidades (que não deixo ir embora, mesmo sabendo que podem ser irreais).

Beata de Bião nasceu no tempo da minha mãe, não dos sonhos dela, mas de apelido que ela teve na infância.

Minha avó (Ana da Glória) tinha muitos filhos (sete) na Fazenda onde morava com Miguel (meu avô). E, as meninas (cinco, entre elas minha mãe) não davam sossego à ela. Quando o dia não estava bom, minha avó ralhava e soltava todos os apelidos... tinha Jerimum Seco (tia Lú), tinha Vara de Furar Tripa (tia Dute) e tinha minha mãe : a Beata de Bião.

Beata de Bião era filha... de Bião. Moça que envelheceu sem casar (naquele tempo, uma desgraça em família) , que tinha os cabelos longos presos em tranças e usava um saiotão para ir à Igreja.

Quando minha avó dizia que minha mãe ia ser igual à Beata de Bião ela chorava de raiva e de medo. Ninguém queria, ao 13 anos, parecer com a Beata. Mas, Beata de Bião era moça prendada de deliciosos quitutes. Porém, como era reclusa e não recebia ninguém em casa para provar das suas guloseimas, tudo o que se sabia era o que se ouvia falar na pequena cidade de São José.

Minha mãe cresceu, se casou, teve filhos e até hoje quando lembra da infância, lembra da Beata com suas histórias fabulosas (do noivo que morreu na linha do trem, das delícias caseiras, do pai taciturno que fechava as janelas para não ver o sol nascer) e a lista é grande...

Portanto, quando meu café literário estiver pronto, dar-lhe-ei o nome de Beata de Bião e chamarei uma cozinheira prendada para fazer bolinhos caseiros para servir com chá de ervas fumegantes enquanto os transeuntes entram para folhear livros distraidamente, antes do sol se pôr.

E, Beata de Bião estará viva, não só nos "causos" contados pela minha mãe, mas na minha lembrança, de todas as histórias que me fizeram rir , enquanto eu crescia ao lado dela... com o coração cheio de doçura e saudade.

Mia Couto na minha Vila



" Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga ... "

Com meias listradas nos pés

neste inverno com meio-sol na janela, 
no meu sofá quentinho que me aninha, 
eu deixo o meu verão pra mais tarde...



Deixa O Verão
Los Hermanos
Composição: Rodrigo Amarante


Deixa eu decidir se é cedo ou tarde
espere eu considerar
ver se eu vou assim chique-à-vontade
qual o tom do lugar.
Enquanto eu penso você sugeriu
um bom motivo pra tudo atrasar.
E ainda é cedo pra lá
chegando às seis tá bom demais
Deixa o verão pra mais tarde


Uh ah ãã aeãeã


Não tô muito afim de novidade
Fila em banco de bar
Considere toda hostilidade
que há da porta pra lá
Enquanto eu fujo você inventou
qualquer desculpa pra gente ficar
E assim a gente não sai
que esse sofá tá bom demais
Deixa o verão pra mais tarde


Uh ah ãã aeãeã


E eu digo,cá entre nós
deixa o verão pra mais tarde


Uh ah ãã aeãeã

Se você estiver em Portugal

... mande-me por correio este Fernando Pessoa...


A última novidade literária nas estantes de Portugal chama-se "Fernando Pessoa, Empregado de Escritório".


Com o escritório na Baixa e a loja no Chiado, A Vida Portuguesa percorre, quase sem se dar conta, os caminhos que tanta vez fez Fernando Pessoa. E que o Sol redescobriu, não há muito tempo. O Largo de São Carlos (onde nasceu), a Brasileira (onde ia tomar café), a Rua Garrett (onde abastecia de livros, na Bertrand), a Rua dos Douradores (onde trabalhou e morou), o Martinho da Arcada (restaurante de eleição). E o Cais das Colunas que, como "todo o cais é uma saudade de pedra"...



quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Flores do Mal

imagem net


BAUDELAIRIANA
Antônio-Mariano


Ela não lê
o poeta francês
mas nele se
completa
flor do bem
aberta
matematicamente
delta

Se só me restasse um dia ?



... eu deitaria de frente ao mar ...
sem medo de me queimar



O Que Você Faria
Paulinho Moska


Meu amor o que você faria?
Se só te restasse um dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?


Ia manter sua agenda
de almoço hora apatia
Ou ia esperar os seus amigos
Na sua sala vazia


Meu amor o que você faria?
Se só te restasse um dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?


Corria pra um shopping center
Ou para uma academia
Pra se esquecer que não da tempo
Pro tempo que já se perdia


Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?


Andava pelado na chuva
Corria no meio da rua
Entrava de roupa no mar
Trepava sem camisinha


Meu amor o que você faria? o que você faria?
Abria a porta do Hospício
Trancava da delegacia
Dinamitava o meu carro
Parava o tráfego e ria


Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?


Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Moça deitada na grama

Desembrulhando edição comemorativa
que ganhei : Instituto Moreira Salles

Drummond morreu no dia 17/08/1987, numa segunda-feira.

Na época, eu tinha acabado de completar 15 anos (e a festa, que acontecera no sábado, tinha sido de arromba, havíamos dançado Madonna e Michael Jackson até o amanhecer... pois é... anos 80 ).

Eu cursava a oitava série do primeiro grau e a professora chegou na sala de aula e falou "Drummond morreu".

Para nós, não houve impacto, nem tristeza. Ela também não se alongou em explicações. Acho que ela se lembrou que não havia falado durante o ano inteiro da importância daquele homem na nossa história. Fora um ano gramatical terrível e salvo exceções, os livros indicados eram apenas os obrigatórios para trabalhos escolares. De resto quem gostava de ler (como eu) tinha que se contentar em escolher as indicações do Círculo do Livro (do qual meu pai era sócio), mas lá não tinha muita poesia não...

Foi assim que Drummond partiu, sem grandes alardes na minha memória.

Em casa, meu pai amava Castro Alves e Rui Barbosa, Cecília Meirelles e Monteiro Lobato. As coleções lindas e douradas, destacavam os poetas antigos (Dante, Homero, Virgílio, Camões) e dava até medo de chegar perto. Os poetas Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e Olavo Bilac estavam sempre presentes nos rodapés dos cadernos, nunca pela importância exata que tinham, mas sim porque tinham poemas lindos pra guardar segredos.

Não, eu ainda não amava Drummond. Lembro-me que naquele tempo meu amor era pelo Vinícius. Com todo aquele derramamento de paixão, com aquela poesia apaixonante e viciante, Vinícius era meu conquistador! E, Drummond , aquele que morreu logo após o meu aniversário de 15 anos, era apenas o escritor que a gente estudava por causa da pedra, por causa do José.

Eu me apaixonei por Drummond no período de 1988 à 1990.

É estranho lembrar assim, mas eu me lembro. Foi no colegial que por ele me enamorei. Foi naquela época que eu decorei de cabo a rabo o poema MUNDO GRANDE (do livro Todo Sentimento do Mundo) e era tão grande o poema que eu não me cansava de anotar (e até hoje quando me sinto num dia estranho, mentalmente repito os primeiros versos de Mundo Grande).

Naquela época a vida acontecia berrando dentro de mim. Não sei se era a transição da idade, não sei se era a paixão por tantos escritores que iam aparecendo quanto mais eu lia, não sei se era eu crescendo para ser quem hoje eu sou... mas Drummond chegou e me arrebatou.

Junto com Drummond veio Leminski, veio Hilda, veio Caio e Clarice. Veio Fernando Pessoa e todos aqueles heterônimos fantásticos. Veio Kafka e Baudelaire e tanta gente junta que eu sofria, de verdade, eu sofria... Achava que entendia todo aquele sentimento, achava que ali (entre aquelas páginas amareladas da Biblioteca) o mundo se descortinava e aquelas palavras me consumiam, me deixavam febril por tempo indeterminado.

Comecei a criar métodos de leitura, comecei minha primeira coleção com os meus autores (não mais com os do meu Pai, que eram bons, mas não me seduziam).

Drummond disparou no meu peito, na minha vida. Com ele, muitas coisas aconteceram, passei por bons e maus momentos. Guardei-o pela minha vida inteira. Escrevi cartas com seus fragmentos, imaginei o Vestido no canto da minha sala com o tecido cerzido, puído a se desmanchar. Resíduos era absurdamente meu preferido. De Alguma poesia, o primeiro livro (publicado em 1930 em edição de 500 exemplares paga pelo próprio escritor!) comprei várias edições em sebos antigos (o do Messias principalmente). E meu amor foi crescendo, até se tornar imortal em uma lembrança que me acompanhará para sempre.

Não tenho mais o texto que escrevi na época (longo e com tanta emoção que muitas vezes me fez chorar). Mas, na última vez que meu pai ficou internado (antes de partir) estávamos a conversar, quando eu vi Drummond no quarto em frente. Olhei novamente, e tive a certeza que era Drummond. Peguei nas mãos pequenas e frágeis do meu pai naquele instante e cochichei baixinho "Pai, você está vendo o mesmo que eu ? " - ele me olhou com ar de interrogação - "Drummond ... Pai, você não está vendo ? Ali, no quarto em frente ? "

Claro que não era Drummond, eu sabia. Mas, era impressionante como se parecia. A calva luzidia marcada pelo tempo, os óculos a guardar os olhos caídos, a boca fina, a tez clara, o semblante do homem que guardava todo o sentimento...

Meu coração batia alucinado. Meu pai, sorriu. "Realmente filha, é muito parecido, poderia mesmo ser o Drummond" e eu , ainda segurando suas mãos e sorrindo veludosamente respondi-lhe "Pai, fica aqui que eu vou lá falar com ele" - como se fosse possível, meu pai andar naquele momento!

Mais devagar que mariposa pousando em luz, entrei no quarto sem fazer barulho. Era um estranho, eu sabia. Mas, era o meu estranho Drummond naquele momento repleto de dor em meu coração.

Ele estava com os olhos fechados e respirava calmamente. Um pouco envergonhada, toquei suas mãos delicadamente. Ele abriu os olhos e me observou mornamente. Então falei: "olá senhor , desculpe-me entrar no seu quarto (meu pai está ali em frente) mas... o senhor é o moço mais bonito que já vi em toda a minha vida... porque me lembra de um poeta que eu muito amo e que não está mais aqui..." - ele sorriu tão devagarzinho, que guardo até hoje a expressão dos olhos dele se alargando.

"... então eu pareço com seu poeta ?" falou sílaba por sílaba.

" sim, o senhor é quase como uma miragem, um reflexo... " - sorri sem galhofas - "... o senhor é o meu Drummond" - sussurrei.

Ele virou a mão e tocou meus dedos.

"... então eu sou o Drummond , posso sê-lo... minha filha"

Não conversamos muito, pois ele falava com dificuldade e eu estava exultante num misto de contemplação e carinho por aquele senhor desconhecido que parecia um sinal divino.

"o senhor é lindo..."

Dei-lhe um beijo na testa e me despedi, voltei ao quarto onde meu pai estava e repetia sem parar "Pai, é ele... tenho certeza, Pai... é Drummond, só pode ser..."

Eu e meu pai viramos confidentes daquele momento e rimos juntos. E, ao sair do Hospital naquele dia, eu repetia Resíduos como se todo aquele instante, estivesse gravado no poema "Ficou um pouco de tudo, no pires de porcelana, dragão partido, flor branca, ficou um pouco de ruga na vossa testa, retrato."

Meu Pai faleceu poucos dias depois. Mas, a lembrança daquele momento ficou guardado em mim, para a vida inteira.

Hoje, 17 de agosto de 2010, faz 23 anos que Drummond morreu. E, não por coincidência, porque a nossa vida já vem escrita do começo ao fim, eu ganhei do Instituto Moreira Salles a edição especial do livro Alguma Poesia (que recebi na sexta feira, dia 13 de agosto).

Não preciso dizer o quanto me emocionei ...

Não por ser apenas o livro, mas por ser Drummond e por tocar em mim fios invisíveis, de toda poesia tecida e imaginada, que abriga meu peito.


domingo, 15 de agosto de 2010

Vôo Livre


Foto: Gaiola vazia, passarinho voando à toa
detalhe (casa da Tia Neuza / 2010)

Hoje é dia do meu aniversário. Ao acordar, pensei se estaria diferente. Se um dia seria capaz de mudar a minha idade no rosto, na fala, no gestos e movimentos.

Não, nada estava diferente, acordei igual a ontem, igual a todos os dias passados.

Sem relógio para despertar, meu corpo acordou no horário de sempre. A noite anterior foi longa. Ainda me recuperando de uma cirurgia, tive insônia e assisti dois filmes antigos seguidos: A Marca da Pantera (de 1982) com a linda Nastassia Kinski, num remake de 1942 e  o bárbaro Festim Diabólico (de 1948) do Hitchcock. Ao deitar, o marido sonolento, me perguntou se já passava da meia-noite, pois ele queria me dar os parabéns. Passava, mas eu

não quis contar pra ele porque hoje era outro dia...

Acordei com abraço e com muito amor sussurrado no ouvido.

O dia foi mesmo de um ótimo aniversário.

Café da manhã na padaria que mais gostamos (e depois de 12 dias só tomando cházinho, tomar um café com leite bem quentinho, é mesmo um grande presente de aniversário!).

Mamãe que avisou que não vinha (só pra fazer surpresa iguais a de antigamente, quando eu era criança pequenina) e de repente tocou a campainha com rosas na mão e cantando uma canção tão bonita...

Almoço gostoso e dia frio na medida certa pra ficarmos quentinhos...

Muitas ligações de amigos que amo, de parentes queridos, de família que está voltando de viagem (Sassá e Fefê a tia está morrendo de saudades!!!) , de sogra, de Vó Mara (vilha), de tanta gente que eu adoro e com os quais não pude estar hoje, mas estarei em breve, com certeza. Além, é claro das mensagens sem fins e declarações de bem-querer dos meus amigos internéticos que sempre passam por aqui e ficam guardados em mim.

E, tenho certeza que hoje já estou diferente do que era ontem, não pela fala, não pelo rosto, nem nos gestos e movimentos.

Estou diferente sim, porque fazer aniversário não muda a gente da noite para o dia,

    ... muda a gente todo dia, até o próximo aniversário!

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Graças a Deus ...

... que eu já vi tanto este moço, já gritei lindo (ele disse "é você...") , já enfrentei filas homéricas pra não pagar e ver, já comprei vip na primeira fila... e posso dizer que Jards é virtuoso e imperdível.

As cordas do seu violão gemem, sangram, ora são notas cortantes rasgando a luz que invade o palco , ora apenas lamentos num sussurro que cai dentro do peito ... é lindo.


Vapor Barato

Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas não pra dizer
Que eu não acredito mais em você
Com minhas calças vermelhas
Meu casaco de general
Cheio de anéis
Vou descendo por todas as ruas
E vou tomar aquele velho navio
Eu não preciso de muito dinheiro
Graças a Deus
E não me importa, honey
Minha honey baby
Baby, honey baby
Oh, minha honey baby
Baby, honey baby
Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas não pra dizer
Que eu tô indo embora
Talvez eu volte
Um dia eu volto
Mas eu quero esquecê-la, eu preciso
Oh, minha grande
Ah, minha pequena
Oh, minha grande obsessão
Oh, minha honey baby
Baby, honey baby
Oh, minha honey baby
Honey baby, honey baby, ah


(Composição: Jards Macalé / Waly Salomão)

Real Grandeza



Jards Macalé tem um nome bonito (que eu gosto). Por fora, faz tipo "a beleza não importa". Por dentro, é um moço bonito que só vendo. Faz tempo que o acompanho, faz tempo que o vejo envelhecer (por fora) e alumiar (por dentro). Já cantou muito em minha vida, hoje menos, ando relapsa, bem sei.


Adriana Calcanhoto é paixão antiga. Eu ainda era moça-menina, quando dela ouvi Metades e tantos outros Esquadros. Daí pra frente, até em Ciranda de Bailarina, me formei. Show dela é imperdível e inesquecível. Quando toca Inverno, dá até vontade de chorar "o dia em que eu fui mais feliz, eu vi um avião, se espelhar no seu olhar... até sumir..." . É bonita de doer, e dói mesmo. 


Luis Melodia é uma pérola. Disco dele eu confesso, não ouço não. Nunca comprei, não tenho nenhum. Mas, quando sei que tem show dele, lá vou em comprar para a primeira fila. Porque este moço no palco  cresce e engrandece e aí, você o olha se movimentando feito uma pantera negra e cantando como se fosse um retrós de linha se desenrolando lentamente, sem pressa nenhuma... aí você descobre que há belezas que não estão no mapa.


Meu álbum de retratos tem estes moços e moças que me comovem, cantando e encantando meu anoitecer.

Dispersão

Foto Arquivo Pessoal


Dispersão
Mário de Sá-Carneiro


Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.


Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…


Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.


(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:


Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).


O pobre moço das ânsias…
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.


A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-se saciada
Ao ver que ganhava os céus.


Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.


Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro-
Não me acho no que projecto.


Regresso dentro de mim,
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.


Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.


Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi…Mas recordo


A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.


(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!…)


E sinto que a minha morte -
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.


Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.


Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas…
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas…


Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas para se dar…
Ninguém mas quis apertar…
Tristes mãos longas e lindas…


E tenho pena de mim,
Pobre menino ideal…
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?…Ai de mim!…


Desceu-me n’alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.


Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.


Perdi a morte e a vida,
E louco, não enlouqueço…
A hora foge vivida,
Eu sigo-a mas permaneço…
……………
……………
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba…
……………
……………
Paris, Maio de 1913
Mário de Sá-Carneiro (n. 19 Mai 1890 m. 26 Abr 1916)
in Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa
de Eugénio de Andrade (3ª. Edição)
Campo das Letras

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Blog bom não tem preço

Dica boa do Robinho

"Leiloe sua dignidade" é uma compilação de músicas que faz um homem pensar a que veio para a terra. Perfeita para uma terça-feira cinzenta ou uma sexta-feira nebulosa. Fica bem acompanhada com cigarros Benson & Hedges e soda limonada, ou Doritos com molho mexicano.


Tracklist:

1. Alpha - Elvis (3:23)
2. Richard Swift - Losing Sleep (4:30)
3. Belle and Sebastian - Don't Leave the Light on Baby (4:41)
4. Jon Brion - Ruin My Day (3:50)
5. Phantom Planet - Our House (2:58)
6. The Elected - I'll Be Your Man (4:22)
7. St. Vincent - What me Worry? (3:56)
8. Ed Harcourt - Until Tomorrow Then (3:56)
9. M. Ward - Eyes on the Prize (2:37)
10. Secos & Molhados - Fala (3:18)
11. Vashti Bunyan - I'd Like to Walk Around in Your Mind (2:15)
12. Nina Simone - Good Bait (5:29)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Um vazio devorador

Foto arquivo pessoal


"Carta a D. - História de um amor", de André Gorz, escritor austríaco é do princípio ao fim uma declaração de amor, na qual a trajetória intelectual do autor é revisitada. Com a proximidade da morte para Dorine, os dois se suicidaram. Seus corpos foram encontrados lado a lado em 24 de setembro de 2007  (more...) 

Gosto de livros, os da CosacNaify ainda mais, pois existe um primor gráfico que seduz os sentidos, além das palavras.

Nesta edição, a capa singela do livro é no formato de um envelope, que a gente abre devagar, já sabendo de antemão o enredo, mas sem ainda ter vivido a história.

"Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.

Compreendi com você que o prazer não é algo que se tome ou que se dê. Ele é um jeito de dar-se e de pedir ao outro a doação de si. Nós nos doamos inteiramente um ao outro."


Livro para guardar na gaveta de baixo onde ninguém mexe...

O meu amor

Foto arquivo pessoal

Sou moça antiga. Daquelas que tem um homem pra chamar de seu. Que gosta de olhar para trás e ver que uma história construída e vivida, é mais bonita do que uma imaginada.

Sou moça de apostas altas.

Claro, já fui mais impetuosa, mais egoista e arteira. Mas, quando a gente encontra alguém que não está nos livros, a gente aprende que a vida deixou de ser conto e se transformou em realidade. E a realidade pode ser bem bonita...

Eu escrevo cartas, todos sabem. Por email, sim. Mas, eu gosto do papel. Gosto de imprimir minha caligrafia na folha em branco. Gosto de por ali, todo sentimento. Deixar escorrer o alfabeto inteiro, letras de músicas, desejo, amor, cumplicidade, saudades...

Já escrevi mais. Guardo numa caixa bonita, recortes antigos, nuvens de algodão e uma infinidade de delicadezas e miudezas. O marido me ganhou na loteria, eu acho.

Também eu o ganhei. Não na primeira partida, onde as apostas eram poucas e a vida era grande. Mas, quando eu estava partida, ele apareceu e apostamos mais alto ainda, com medo, bem verdade, mas com o coração aberto e deu certo. Tão certo que hoje ele cozinha para eu sorrir, ele me põe para dormir e me aninha na costela quente dele toda noite e o mundo amanhece em paz.

Tenho a sensação que dançamos um balé mágico, quase invisível, onde somos estrelas cadentes e carentes, num universo desconhecido.

Não me lembro mais como é a vida longe dele, eu era cheia de peraltices e cheia de vontades. Hoje, as vontades não são as mesmas, e de moça me transformei em mulher (mas as moças estão sempre por aqui, se reiventando em mim) e arte eu ainda faço, só que de outra maneira.

Sou moça de moço, e tenho gosto por isso, gosto muito, mesmo.

O mundo lá fora deixou de ser tão divertido. As pessoas "se eu seria personagem" se perderam e criam tipos fantásticos que não se sustentam. Ao vivo, perderam as cores. Raras, são as que nos comovem, nos impressionam realmente.

E, se você achar um alguém pra chamar de seu, não tenha medo... deixa ele entrar.



O Meu Amor
Chico Buarque

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

domingo, 1 de agosto de 2010

Agosto chegou...



" (...) Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados (...) "


Caio Fernando de Abreu