domingo, 28 de fevereiro de 2010

Modinha de ser poeta


Fragmento do meu livro Atrás de tudo estão todos (1996)
(nunca publicado, porque eu não sou uma artista, que tem fome)


Ontem fui à casa da minha mãe pegar meus livros (Chalaça e Terra Papagalli) para o marido levar para o Roberto Torero autografar (eles estão trabalhando juntos) porque eu sou fã confessa do humor fantástico deste escritor que poucos conhecem.

Chegando lá me perdi lendo livros antigos, coletâneas que escrevi e pensamentos sobre tantas e tantos (coisas e coisos) que me permiti pensar: texto guardado na gaveta faz a gente rir de nós mesmos depois que o tempo passa...
Alguns escritos parecem bons e dão a sensação de que só precisam ser burilados, outros dão a sensação de que nunca deveriam ter sido escritos.

Isto me levou à um texto do Rubem Alves (que não gosto, porque acho-o pedante, arrogante e sem talento para morar no infinito das letras, apesar dele querer ser e se propagar homem simples, erudito, poeta e educado, enfim ... gosto se discute e dele eu não gosto!), mas li algo dele que transcrevo aqui porque me fez pensar neste post de hoje.

Se você acha que é poeta e que poesia você encontra em momentos de inspiração... devo deixar claro, que não acho que o ofício de fazer arte (seja ela escrita, pintada ou qualquer outro tipo de manifestação) chega por acaso aos espíritos iluminados.
Arte é transpiração, dom e talento. Não separado, mas tudo junto.
Para ser artista (não de tv, mas da própria história) é preciso ter algo que te mova em sentido aquela manifestação de fazer, de falar , de ser. É preciso vontade de trabalhar neste projeto noite e dia, seja braçalmente ou mentalmente. É preciso ter talento, para descobrir ao final do suor, que dali saiu algo maior, que nem você estava preparado para ver, ou para viver, para mostrar.

Arte é um tormento e uma paz. É arrancar do peito uma dor, dos dedos uma dor, dos olhos uma dor, da mente uma dor... não uma dor de ter perdido algo ou alguém, mas uma dor de saber que você é maior do que um corpo físico e que dentro do seu ser algo explode querendo mostrar ao mundo... UM ARTISTA... de fome!

Se você acha que poesia é só escrever pensamentos, impressões e falsear Manoel de Barros em blogs que outros falsos poetas frequentam... se você acha que para ser poeta basta apenas vomitar suas tristezas sobre o papel e guardar na gaveta... se você acha que frequentando eventos culturais sua alma já está vestida e lavada de poesia...

...devo ser sincera e dizer-lhe:

Deixe de modismo e vai trabalhar vagabundo!

* * *


Trecho de uma resposta do Rubem Alves (que não serve para o meu viver, mas que "inspirou" o post de hoje) :
˜Lamento mas minha prioridade de vida é botar os meus ovos, escrever as coisas que me dóem... Os seus poemas dóem em você? Ficam atormentando você, pedindo para ser escritos? Ou são simples coceiras? Só se meta a ser poeta se seus poemas doerem muito... Escrever poesia é um ofício terrível. Primeiro porque há poetas gigantescos como Fernando Pessoa, Hilda Hilst, Cecília Meireles. Segundo, porque é muito difícil que as editoras publiquem livros de poemas. Poesia, com raríssimas exceções, é mau negócio. Dá prejuízo.

Seus poemas nascem de inspiração? Leia atentamente essa precisa descrição da experiência da inspiração, feita por Nietzsche e, honestamente, diga se esse é o seu caso. "Será que alguém, ao final do século dezenove, tem uma idéia clara daquilo a que os poetas das eras fortes chamaram pelo nome de inspiração? Se não, vou descrevê-la. Repentinamente, com certeza e sutileza indescritíveis, algo se torna visível, audível, algo que nos sacode em nossas últimas profundezas e nos lança por terra... A gente não busca; ouve. Não pede ou dá; aceita. Como um relâmpago, um pensamento se ilumina de forma irresistível, sem hesitações com respeito à sua forma. Eu nunca tive qualquer escolha! Tudo acontece de forma involuntária no mais alto grau, mas como uma onda enorme de liberdade, um sentimento de algo absoluto, de poder, de divindade." É assim que acontece com você?

Se é assim que acontece com você, então, vale a pena prosseguir. Não pelos livros que você venha a publicar, mas pela simples alegria de... botar o seu ovo...

O que melhor posso fazer é dar a você, e a todos os que amam poesia, algumas sugestões.

Leia, em primeiro lugar, o maravilhoso livro de Rainer Maria Rilke Cartas a um jovem poeta. São cartas de enorme delicadeza, sensibilidade e honestidade. Rilke as escreveu a um jovem que lhe enviara poemas de sua autoria, pedindo que o poeta desse a sua opinião. Que tempo maravilhoso aquele, quando o tempo andava devagar, e havia tempo para se escrever longas cartas em papel, com tinta, caneta, mataborrão, envelope, selo e caminhadas até o correio... Tempo feliz aquele, quando a chegada do carteiro era um evento grave, pois se sabia que cartas eram, sempre, portadoras do essencial.

Leia, depois, o Manoel de Barros, poeta matogrossense... Livro sobre nada, Livro de pré-coisas, Arranjos para assobio, O livro das ignorãnças... O Manoel de Barros é mestre de aforismos, afirmações curtas, marteladas na cabeça de um prego, que desarrumam o arrumado e fazem pensar. "Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria". "A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos." "Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção." "Tem mais presença em mim o que me falta." "Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar." "Eu queria avançar para o começo. Chegar ao acriançamento das palavras." "Deus deu forma. Os artistas desformam. É preciso desformar o mundo: Tirar da natureza as naturalidades. Fazer cavalo verde, por exemplo. Fazer noiva camponesa voar - como em Chagall..."

E ler, bovinamente, ruminantemente, em voz alta, os poetas... É preciso ler em voz alta. Poesia não é pensamento. É música. Você sabe ler? Claro: eu sei que você sabe ler... Mas não é isso que estou perguntando. Estou perguntando se, ao ler, suas palavras fazem música. E os seus poemas? Que música fazem eles? Leia Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Mário Quintana, Adélia Prado, Cecília Meireles, Hilda Hilst, Chico Buarque, Vinícius...

Para terminar, vou transcrever o que Rilke escreveu ao término de sua primeira carta: "Mas talvez se dê o caso de ter o senhor de renunciar a se tornar poeta. Basta sentir que poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo..."

Um comentário:

Rodrigo disse...

Talvez seja por isso que eu sempre fiquei da fresta - como um menino tímido - admirando a poesia em seus trajes constantes a passar pela vida. Eu sou o moço da fresta e assim sigo ...

Beijos! Belo post.
P.s: Me perdoe por ter enviado aquele trecho do Rubem Alves pra ti, rs. Realmente eu não sabia que vc não o curtia! hehe ...