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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Céu com duas luas



No meu céu tem tubaína.

Dentro de cada nuvem que passa, a imagem de uma pessoa antiga. De cada pessoa antiga um tanto de paisagem, um bocado de passagem. Destes retratos no céu, alguns trazem risos, outros saudades. Das lembranças que inundam, algumas transbordam cheiros, outras invadem sabores.

Tem tubaína no céu, eu acho.

domingo, 21 de março de 2010

O Outono em mim...

Miss Outono 79

Em 1979 eu era uma menina tímida de palco, mas falante no andar de baixo. Eu era aquela que levava maçã para professora, que era escolhida para escrever no quadro verde, que fazia todos os deveres de casa e que nunca tirava nota baixa.

Eu era mesmo a menina dos olhos do meu Pai, seu xodózinho.

Em 1979 eu fui escolhida para ser a Miss Outono do meu colégio. Tinha que subir no palco e falar um verso inteiro. Deu medo, vergonha, tudo junto. Mas, eu subi, eu falei e para sempre fiquei na lente do retratista Nelson que cuidava das fotos lá de casa.

Na foto acima, eu e meu irmão Sidney, guardando instantes e sorrisos para eternidade.

O Outono me deixa silenciosa e emocionada ...

domingo, 7 de março de 2010

Entre os lençóis do Mar

Praia dos Lençóis - 10/01/2010 - BA


A Praia dos Lençóis (em Porto Seguro, na Bahia) é longa e deserta.

Os moradores antigos dizem que sempre foi assim, porque é violento seu mar e muitas pessoas que ali entraram, não voltaram para contar estória.

Não tem barracas, não tem vendedores, não tem turistas acidentais.

De um lado o infinito, do outro a imensidão e diante do olhar suspenso, um mar sem fim e um céu pintado cheio de nuvens de algodão.

Lá do meu quarto com a janela aberta a noite, eu ouvia o mar quebrando estrondosamente. Fosse lua cheia ou não o barulho era o mesmo, intenso e assustador.

Eu sentia arrepios pelo corpo inteiro, porque ele era tão imponente e tão forte que eu tinha a sensação que ele sairia dos limites impostos pela natureza e tomaria toda a encosta e entraria pela casa adentro e não deixaria ninguém incólume. Assim, de uma vez só.

Quando eu acordava o mar parecia estar dormindo, porque eu o escutava bem longe... quase sussurrando.

Durante o dia, quando eu atravessava a rua e entrava por um curto caminho cheio de árvores e galhos secos, eu me deparava com ele e o saudava com reverência.




Era bonito demais de ver, espelho azul no horizonte com sua fúria natural urrando na imensidão.

Céu e mar se misturavam e eu tinha a sensação de que estava sempre pelo avesso.

Eu nem me reconhecia quando sozinha ali entrava. Era um outro espaço, uma outra dimensão e aos poucos eu ia me despindo de tudo que havia lá fora.

Algumas braçadas e eu tocava as nuvens, tocava a linha do horizonte e via a vida desfilar suas idas e vindas, suas complicações e seus teoremas e apagava tudo da minha mente, me entregava ao prazer de estar perdida naquele paraíso.

Naquela manhã, eu acordei com o sol nascendo, peguei meu livro “KAFKA, e a marca do corvo” e fui amanhecer na areia.



Já pisei em seu solo sem chinelos, pois gostava da sensação de tê-lo inteiro, de olhar ao longe e ver como rapidamente ele se aproximava de mim, como se fosse um velho conhecido meu.

Na Praia dos Lençóis a vontade era de se despir de tudo e caminhar sem destino pela areia, pela água pura e cristalina e se perder entre tantos azuis.

O sol brilhava a pino e o dia do outro lado da rua estava tão silencioso que era possível ouvir as ondas quebrando, as areias minúsculas se movendo como se fossem pequenas dunas e o meu corpo afundando entre areia e mar.

Guardei o livro na bolsa e me deixei tomar por aquela lânguida manhã.

Guardei a canga , pois ali não havia ninguém , em lugar nenhum , para me espiar por buracos de fechadura.

Guardei o óculos escuros e saudei o sol, saudei a vida, me alonguei até o infinito.




O Mar audacioso, me saudou, beijando meus pés como se Don Juan fosse.

Eu embevecida, toquei-lhe a fronte e o coloquei em meu rosto, deixando-o escorrer suavemente até meus lábios dormidos.

O Mar, petulante, me agarrou pelo pescoço e me jogou em suas vagas calientes.

Eu , de surpresa, dei um grito assustada.
O Mar atrevido, se balançou entre meus quadris e sem pedir licença, desenlaçou minhas vestes e me carregou para seu leito.

Eu entontecida, tentei fugir, mas ele galantemente me pegou em seus braços e me aninhou amorosamente.

Olhei ao redor, buscando seres reais, não havia nenhum.

Olhei para o Mar e me deixei levar, sem medo.

O Mar , dono do seu leito e conhecedor das suas profundezas, me convidou à arroubos e eu me permiti.

Ele, naquele instante, me enamorava malemolente e na cadência dos seus enlaços me deixei levar.

Eu o namorei naquela manhã.
Eu me enrolava nele e ele me lambia ousadamente. Eu escorregava entre suas curvas e ele me engolia inteira, me jogava no chão, me dominava com sua robustez. Eu me levantava, tentava segurá-lo pelas brancas crinas como se fosse possível domá-lo, acariciava-o com minhas mãos pequenas que mal conseguia segurá-lo por 5 segundos e ele me arremessava para o alto, para os lados, como se fosse o senhor do Universo e dos meus desejos.

O mar me amava, me queria, eu tinha certeza.

Não havia canção no ar, não havia livro com frase feita, não havia poeta escrevendo rimas, nem pintor desenhando quadro. Não havia nada para traduzir o que se passava com aquelas duas forças de naturezas distintas.

Havia apenas uma moça despida e um mar sedento, na arrebentação dos quereres.

Perdi a noção da hora. O tempo na ampulheta da areia, me arrastava para mais longe, cada vez mais longe... e eu ia, eu me largava, me alongava, me deitava inteira naquele azul febril.

Sem ninguém por perto, eu gritava bem alto que o queria. O Mar, trovejava em mim. Se eu gritava “VENHA, NÃO TENHO MEDO” ele enfiava sua língua quente em minha boca macia e me fazia sufocar.

Ele sabia das artimanhas do amor. Ele sabia como me seduzir. Ele me arrancava com força e me lançava para o espaço. Ele abocanhava meu frágil corpo e arranhava meu ventre desnudo. Eu sentia os açoites em minhas coxas e costas lisas. O Mar era de marinheiros fortes, era de Iemanjá – Deusa verdadeira, e eu era apenas um corpo desgovernado, delicada embarcação fantasiada de moça nua de vida real.




Jogada de volta à terra, de braços abertos para o sol, exaurida me deixei ficar.

O Mar insaciável e sedento voltou para me amar.

Eu fingia que não o conhecia, que não era comigo e deixava ele tentar me convencer de que ainda o queria.

Como moça antiga , de antigas seduções, eu não me deixava levar pelos desejos urgentes dele não.

Ele tocava meus pés e me arrepiava inteira, mas eu não caia em suas tentações.

Ele sussurrava baixinho com suas ondas flamejantes... lambia meus tornozelos e ia subindo atrevidamente... mas eu deixava-o apenas chegar até os meus quadris e fugia ... rolávamos pela areia como dois esquecidos pelo mundo.

Ele alcançava meus seios desnudos e os envolvia com suas gigantescas mãos... eu virava-me de costas e o aprisionava em meu peito.. ele ria e rugia... e assim fugíamos um do outro, provocantemente.



Às vezes, irritado, me batia na cara.


Me derrubava em seu leito e me beijava a boca, com sua língua salgada, voraz, faminto, em total frenesi.


Eu deixava ele lamber meus lábios e me afastava. Eu deixava ele lamber minhas pernas e me esquivava. Eu deixava ele tocar meus pés e pedia mais... com mais calma.


Ele, sem galanteios, me agarrava e me arrastava como se eu fosse um animal, indefeso... mas, eu não era indefesa não... ele é que era minha presa.


O Mar era meu amante e dele eu entrava e saia quando bem quisesse, ou quase.


Ele me engolfava, me cuspia, me tomava e me deixava exausta. Eu o alimentava, o entontecia, o enamorava e fugia... rindo... caindo... me levantando... me deixando amar.


Era uma dança frenética, animalesca, selvagem.


Eu aceitava sua fúria. E, ele me batia impiedosamente. E, quanto mais ele me dominava, mais eu me entregava a sua imensidão. Não havia medo em mim, nem dor. Só o prazer de ser tomada por ele, inteira. E se ele me beijava a força, eu abria os braços para recebê-lo e se ele me inundava o corpo com sua quentura mais eu me deixava inundar por todos os poros , até que meu corpo esgotado fosse depositado em seu flanco esquerdo e eu pudesse ouvir aquele som feroz que saia do seu peito e arrebentava minha janela enquanto eu o via ao longe à luz da lua... todas as noites, do meu quarto.


E, quanto mais aquele Mar me arrastava para suas profundezas, mais eu o queria. Quanto mais ele me açoitava, mais eu enlouquecia. Ele arrancava tudo de mim, eu delirava em seus longos braços invisíveis. Meus cabelos emaranhados, repletos de conchas e cavalos marinhos, eram puxados de encontro ao seu peito. Eu me debatia, apenas pelo prazer, e me entregava de braços abertos "me toma Mar, que hoje eu sou tua"


Meus pés voavam, de encontro as coxas dele. Minha boca se abria para sua loucura. Meus olhos doiam e eu não me importava. Só queria ele, só precisava dele... e mais nada.


Na Praia daqueles Lençóis, o Mar, por fim me deitou na areia como se fosse uma rainha. Estendida ao chão eu o olhava partir. Suas costas largas , se confundiam com o céu. Ele se afastava e nem me olhava, nem dizia adeus.


Apenas me deixava ali, exaurida de prazer.


Foi uma manhã inteira de encontro sagrado com o profano Mar da Costa do Descobrimento.


Quando o sol me secou, tal qual roupa branca quarando no varal, vesti meu biquini , amarrei o cabelo e com meu livro debaixo do braço voltei para casa pela estradinha de terra...

... descalça e com um sorriso secreto entre os lábios entreabertos, ia pensando em tudo o que acontecera.


A noite, eu tinha certeza, o Mar bateria de novo na minha janela me convidando para amanhecer com ele...

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Modinha de ser poeta


Fragmento do meu livro Atrás de tudo estão todos (1996)
(nunca publicado, porque eu não sou uma artista, que tem fome)


Ontem fui à casa da minha mãe pegar meus livros (Chalaça e Terra Papagalli) para o marido levar para o Roberto Torero autografar (eles estão trabalhando juntos) porque eu sou fã confessa do humor fantástico deste escritor que poucos conhecem.

Chegando lá me perdi lendo livros antigos, coletâneas que escrevi e pensamentos sobre tantas e tantos (coisas e coisos) que me permiti pensar: texto guardado na gaveta faz a gente rir de nós mesmos depois que o tempo passa...
Alguns escritos parecem bons e dão a sensação de que só precisam ser burilados, outros dão a sensação de que nunca deveriam ter sido escritos.

Isto me levou à um texto do Rubem Alves (que não gosto, porque acho-o pedante, arrogante e sem talento para morar no infinito das letras, apesar dele querer ser e se propagar homem simples, erudito, poeta e educado, enfim ... gosto se discute e dele eu não gosto!), mas li algo dele que transcrevo aqui porque me fez pensar neste post de hoje.

Se você acha que é poeta e que poesia você encontra em momentos de inspiração... devo deixar claro, que não acho que o ofício de fazer arte (seja ela escrita, pintada ou qualquer outro tipo de manifestação) chega por acaso aos espíritos iluminados.
Arte é transpiração, dom e talento. Não separado, mas tudo junto.
Para ser artista (não de tv, mas da própria história) é preciso ter algo que te mova em sentido aquela manifestação de fazer, de falar , de ser. É preciso vontade de trabalhar neste projeto noite e dia, seja braçalmente ou mentalmente. É preciso ter talento, para descobrir ao final do suor, que dali saiu algo maior, que nem você estava preparado para ver, ou para viver, para mostrar.

Arte é um tormento e uma paz. É arrancar do peito uma dor, dos dedos uma dor, dos olhos uma dor, da mente uma dor... não uma dor de ter perdido algo ou alguém, mas uma dor de saber que você é maior do que um corpo físico e que dentro do seu ser algo explode querendo mostrar ao mundo... UM ARTISTA... de fome!

Se você acha que poesia é só escrever pensamentos, impressões e falsear Manoel de Barros em blogs que outros falsos poetas frequentam... se você acha que para ser poeta basta apenas vomitar suas tristezas sobre o papel e guardar na gaveta... se você acha que frequentando eventos culturais sua alma já está vestida e lavada de poesia...

...devo ser sincera e dizer-lhe:

Deixe de modismo e vai trabalhar vagabundo!

* * *


Trecho de uma resposta do Rubem Alves (que não serve para o meu viver, mas que "inspirou" o post de hoje) :
˜Lamento mas minha prioridade de vida é botar os meus ovos, escrever as coisas que me dóem... Os seus poemas dóem em você? Ficam atormentando você, pedindo para ser escritos? Ou são simples coceiras? Só se meta a ser poeta se seus poemas doerem muito... Escrever poesia é um ofício terrível. Primeiro porque há poetas gigantescos como Fernando Pessoa, Hilda Hilst, Cecília Meireles. Segundo, porque é muito difícil que as editoras publiquem livros de poemas. Poesia, com raríssimas exceções, é mau negócio. Dá prejuízo.

Seus poemas nascem de inspiração? Leia atentamente essa precisa descrição da experiência da inspiração, feita por Nietzsche e, honestamente, diga se esse é o seu caso. "Será que alguém, ao final do século dezenove, tem uma idéia clara daquilo a que os poetas das eras fortes chamaram pelo nome de inspiração? Se não, vou descrevê-la. Repentinamente, com certeza e sutileza indescritíveis, algo se torna visível, audível, algo que nos sacode em nossas últimas profundezas e nos lança por terra... A gente não busca; ouve. Não pede ou dá; aceita. Como um relâmpago, um pensamento se ilumina de forma irresistível, sem hesitações com respeito à sua forma. Eu nunca tive qualquer escolha! Tudo acontece de forma involuntária no mais alto grau, mas como uma onda enorme de liberdade, um sentimento de algo absoluto, de poder, de divindade." É assim que acontece com você?

Se é assim que acontece com você, então, vale a pena prosseguir. Não pelos livros que você venha a publicar, mas pela simples alegria de... botar o seu ovo...

O que melhor posso fazer é dar a você, e a todos os que amam poesia, algumas sugestões.

Leia, em primeiro lugar, o maravilhoso livro de Rainer Maria Rilke Cartas a um jovem poeta. São cartas de enorme delicadeza, sensibilidade e honestidade. Rilke as escreveu a um jovem que lhe enviara poemas de sua autoria, pedindo que o poeta desse a sua opinião. Que tempo maravilhoso aquele, quando o tempo andava devagar, e havia tempo para se escrever longas cartas em papel, com tinta, caneta, mataborrão, envelope, selo e caminhadas até o correio... Tempo feliz aquele, quando a chegada do carteiro era um evento grave, pois se sabia que cartas eram, sempre, portadoras do essencial.

Leia, depois, o Manoel de Barros, poeta matogrossense... Livro sobre nada, Livro de pré-coisas, Arranjos para assobio, O livro das ignorãnças... O Manoel de Barros é mestre de aforismos, afirmações curtas, marteladas na cabeça de um prego, que desarrumam o arrumado e fazem pensar. "Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria". "A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos." "Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção." "Tem mais presença em mim o que me falta." "Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar." "Eu queria avançar para o começo. Chegar ao acriançamento das palavras." "Deus deu forma. Os artistas desformam. É preciso desformar o mundo: Tirar da natureza as naturalidades. Fazer cavalo verde, por exemplo. Fazer noiva camponesa voar - como em Chagall..."

E ler, bovinamente, ruminantemente, em voz alta, os poetas... É preciso ler em voz alta. Poesia não é pensamento. É música. Você sabe ler? Claro: eu sei que você sabe ler... Mas não é isso que estou perguntando. Estou perguntando se, ao ler, suas palavras fazem música. E os seus poemas? Que música fazem eles? Leia Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Mário Quintana, Adélia Prado, Cecília Meireles, Hilda Hilst, Chico Buarque, Vinícius...

Para terminar, vou transcrever o que Rilke escreveu ao término de sua primeira carta: "Mas talvez se dê o caso de ter o senhor de renunciar a se tornar poeta. Basta sentir que poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo..."

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Valentine's Day

Foto arquivo pessoal , envolta em voil... a pele.

Valentine´s Days.

Pegou o batom vermelho e contornou os lábios lentamente.

Os olhos, delineados, declaravam desejos secretos.

Colocou o corpete preto de veludo, para que as mãos deslizassem pelo corpo, sem tropeços. Deu dois lacinhos pequenos, para que se soltassem quando a música de amor tocasse, como nos filmes antigos, que via nos cineclubes do cidade.

Com o tule de suas telas, fez adereço para as costas, nuas.

Sentiu-me mulher, não fatal, mas com asas.

Rasgou o tecido de Voil, que passara a noite desenhando (leve, semi-transparente e simples mas que em suas pequenas mãos parecia chantilly escorrendo entre os dedos) e amarrou na cintura como se fosse um sari. Nele havia desenhos de desejos, nele um conto, nele palavras deitadas que lhe moldavam a pele)... mais bonito e sensual do que qualquer vestido de manequim, tinha certeza.

Pegou o perfume que mais gostava, Very Irrésistible - Eau de Parfum - Givenchy, o liláz que seduzia o olfato e deixava um rastro de desejo da nuca ao tornozelo, e romanticamente vaporizou duas gotas no ar.

Projetou os seios para frente e entrou na nuvem delicada de cheiro.
Sentia-se audaciosa, afinal era Valentine´s Day.

No quarto, espalhou rosas. Forrou as paredes com cortinas desenhadas por si mesma. Cada parte, contava uma estória de mil e uma noites. Era para o tempo se perder, para os olhos se perderem, para não encontrarem o caminho de volta.

Espalhou poemas impublicáveis de Drummond pelo aparador. Ah, Drummond, moço de tantos poemas que nunca tivera coragem de ler com ninguém ... " Talvez que a moça hoje em dia... Talvez. O certo é que nunca. E se tanto se furtara com tais fugas e arabescos e tão surda teimosia, por que hoje se abriria? Por que viria ofertar-me quando a noite já vai fria..." releu baixinho...

Abriu um prosecco, adorava. O líquido escorreu pela sua boca e ela tocou os lábios, antecipando prazeres.

Beber lhe dava uma ousadia que a fazia corar no dia seguinte, diante das lembranças ...

Ligou o som e deixou o ar se invadir de Sade (a cantora e o Marquês).

Com a taça entre os dedos, dançando devagarzinho, cantarolou sussurrando "Your love is king...crown you in my heart. Your kisses ring...round and round and round my head. I'm coming up, I'm coming. You're making me dance, inside..." . Esta canção a enchia de paixão, traduzia exatamente o que sentia naquele instante, o que queria dizer.

Sorriu levemente, subiu a meia de seda até o alto da coxa... a campainha tocou como sino de castelo antigo.

Ela correu para colocar o par de sapato de salto alto, com coração de strass nos pés...

Enquanto se encaminhava para a porta a música repetia baixinho "your love is real...is real"

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Vênus no banheiro

Detalhe de parede - banheiro, Arraial D´Ajuda
Praia do Parracho


* * *

a cabeça oca
vermelha touca
cobra coral


lambo-lhe a boca
os dedos do pé
os cabelos do corpo


labaredas de fogo
fogo de inverno
fogo de mercúrio

Vênus desceu
do Cosmo
Vênus sou Eu


teia de aranha
Caranguejo anda
de lado e desanda

em São Paulo tem Café
na Bahia tem Coca

corro atrás de quem está na frente
e quem está atrás de mim corre também

cobra corre e escorre
lânguida e morna
boca vermelha

língua cintilante
olhos piscantes
veneno fatal


sem repouso, escoa
e no asfalto preto
incendeia


verMElha

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Recordações

Foto arquivo pessoal: contracapa de caderno

Em 1984 eu tinha 12 anos, um Pai fantástico e uma família que parecia ser a própria luz de todos os Natais. Era comum, naquela época, ser menina com direito a caderno de recordações, trança nos cabelos e saia branca com shorts vermelho nas aulas de educação física.
Aos 12 anos eu já tinha lido o meu primeiro Machado de Assis (Relíquias de Casa Velha) e não entendia o que aquela escrita absurda queria dizer, mas me assustou e muito o conto Sem Olhos e até hoje acho que é um dos melhores que já li em todos os tempos.

Aos 12 anos eu escrevia poemas com rimas, eu escrevia cartas manuscritas, eu escrevia cartões de todos os tipos, eu ouvia novelas de rádio (acreditem, é verdade) e achava que quando crescesse seria uma pessoa GRANDIOSA.

Naquela época, embora criança, eu já sabia que queria me casar (de véu e grinalda) , que queria ter 3 filhos (uma menina e depois um casal de gêmeos) e que antes disto tudo eu viajaria pelo mundo e teria muitas e muitas histórias para contar para os netos.

O tempo passou e muitas coisas aconteceram diferente do que planejei.

Viajei o tanto quanto possível, tenho um moço-marido que é meu bem-querer, não tenho filhos (porque depois dos 20 ainda era cedo, aos 30 faltava um amor pra chamar de meu e depois... bem tem coisas que a gente deixa pra depois sem saber mesmo o porquê) e algumas coisas simplesmente não aconteceram.

Sou comum, apenas mais uma moça sem nome no meio da multidão. Não escalei o topo do Everest, não deixei marca nenhuma em nenhum lugar. Não pari e tive a tristeza de ver meu pai partir.

No final do ano , encontrei meu Caderno de Recordação antigo, guardado na casa da minha mãe. Sentei e perdi a hora lendo cada mensagem escrita. Foram tantas lembranças boas, tantas saudades daquela eu, que foi difícil acreditar que aquela menina moça cheia de sonhos e fantasias é a mesma que sou hoje.

Minhas amigas escreveram páginas inteiras de dedicatórias , de contação de estórias, de todos os dias que vivemos juntas. Deu mesmo uma vontade de abrir o berreiro sem medo e soltar todos os monstros que a gente insiste em guardar no sótão.

Tenho mania de fazer uma lista das coisas que quero que me aconteça, que eu quero fazer acontecer. Em 2010, vou fazer diferente ...e nada de listas na minha agenda pessoal!

Vou deixar algumas coisas "me" acontecer e seja o que Deus quiser, estarei pronta para o que der e vier!

Nos encontraremos aqui, neste caderno de recordações virtual, que não irá se amarelar pelo tempo (como o meu antigo, velhinho e puído de 25 anos atrás) e poderá ser lido a qualquer hora em qualquer lugar.

Beijoprocês!

Sônia, a Letreira.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Dos tantos dias...


... que o Blog tá dormindo, não é porque foi abandonado pela mão que o pariu.
O tempo anda escasso, embora os ponteiros tenham os mesmos movimentos de sempre...
2009 está acabando e tenho uma agenda cheia de coisas que me prometi cumprir, agora tenho que fazer acontecer!

O mundo em breve, voltará a ser intenso por aqui. Por enquanto, a vida real exige minha presença e cobra resultados.

Me aguardem, volto logo,

A Letreira.


domingo, 13 de setembro de 2009

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Poema púbico


Fragmento de poema impublicável


Tua língua
lenta e libertina
é liame liláz
na minha lívida
manhã litorânea
(cetim)
.
.
.

(Sônia A.Dias - A Letreira)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Vênus desceu do cosmo

Anais Nin

Modismo


Sou !?
Sou mesmo !
Sou a mesma ?

Mesmice só...


(A Letreira - Coletânea Entrenoites)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Espelhos

arquivo pessoal - Fragmento para Ciro William

Presa na palavra. na ratoeira do verbo. nos epílogos. nas ilhas. de flores. com tudo que vale - 1,00 - Masagão. massacrada. o evangelho (perdido) de Saramago (e Jesus Cristo). glauber morto com corisco sambando em seu caixão europeu. glauber-mon-amour. Nastassia Kinsky. sou eu. de costas. quando no meu ombro nú, ele -

 - tocou.

domingo, 21 de junho de 2009

Que livro é você?


Fiz um teste AQUI, e achei que eu seria o Livro Lavoura Arcaica que tanto amo. Mas, pelas respostas, foi Clarice quem me escolheu. Sim, a mesma, que às vezes dorme debaixo do meu travesseiro.


Detalhe importante: em outros tempos, já me vesti de G.H, com medo, é claro, mas sim, dos pés à cabeça, inteira.


"A paixão segundo GH", de Clarice Lispector


Você é daqueles sujeitos profundos. Não que se acham profundos – profundos mesmo. Devido às maquinações constantes da sua cabecinha, ao longo do tempo você acumulou milhões de questionamentos. Hoje, em segundos, você é capaz de reconsiderar toda a sua existência. A visão de um objeto ou uma fala inocente de alguém às vezes desencadeiam viagens dilacerantes aos cantos mais obscuros de sua alma. Em geral, essa tendência introspectiva não faz de você uma pessoa fácil de se conviver. Aliás, você desperta até medo em algumas pessoas. Outras simplesmente não o conseguem entender. Assim é também "A paixão segundo GH", obra-prima de Clarice Lispector amada-idolatrada por leitores intelectuais e existencialistas, mas, sejamos sinceros, que assusta a maioria. Essa possível repulsa, porém, nunca anulará um milésimo de sua força literária. O mesmo vale para você: agrada a poucos, mas tem uma força única.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Impávida

Detalhe-Caroline Pires


Atrás da minha íris tem alta tensão, fio descapado, arame farpado, céu descoberto.

Atrás , na minha nuca, tem arrepio, tem desafio e nenhuma tatuagem pra mostrar caminho.

De frente, há quase nada e o sempre, é nunca.
Sônia Alves Dias

domingo, 15 de março de 2009

Atrás de tudo estão todos





Tudo que sou

Eu queria ser Ela
Mulher, menina, gazela

Eu queria ser Laura
Mas, sou apenas uma Sônia

Eu queria ser Madame Bovary
Mas, sou uma dama qualquer sem nome

Eu queria ser Beatriz
Mas, vago perdida no purgatório

Eu queria ser Maria
Mas, as estrelas passam longe do meu ventre

Eu queria ser Inêz
Mas, tal qual a bonina, morro antes do amanhecer

Eu queria ser qualquer uma
Mas, não sou nenhuma
Não sou ninguém


Sônia A.Dias - 29 de dezembro de 2001 17:30hs

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Carnaval

Cair na estrada de madrugada. Ver o galo cantar na beira do mar. Chegar com os olhos fechando e abrir porta-malas. Guardar as coisas e tomar uma ducha rápida. Se o sol despontar: canga, sundown, sol e carnaval. Se o sol se fingir de morto: deitar na esteira e deixar as letras escorrerem cérebro adentro (às vezes, tem trechos que desembocam direto no coração). Camarão é uma delícia. Porquinho também. Todos os peixes são bem vindos. Água de coco, pra tomar no pé. No beiral do litoral, se a água tá fria, só os dedinhos resfriar. Depois, tomar coragem, se jogar céu adentro e se perder no mundo , tomando caldo e vento na cara.
Da areia, menos areia. Do mar, quanto mais onda melhor. Da noite, bebida e muita folia. De manhã, o bico torto, as pernas tortas, penacho na cabeça e a leveza de acreditar que depois do carnaval, tudo melhora!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Hábitos do Leitor

foto de arquivo pessoal

Recebi um email, do ótimo LENDO.ORG, e me dispus a responder os hábitos do leitor...
Os meus são:
 Meu primeiro gesto ao pegar um livro antigo, é abrir na última página e cheirar o tempo que ali adormece. Tenho a sensação de que passo horas cheirando o livro e que ninguém está vendo.

 Quando eu não conheço o livro, eu o abro aleatóriamente em busca de uma palavra que me fisgue, uma frase que me envolva.

 Sebo é um prazer, não pelo preço, mas pelas páginas amareladas puídas e cheias de marcas de outras vidas.

 Eu gosto de emprestar livros, mas morro de medo de não me devolverem (e se não me devolvem eu passo anos pensando no livro perdido).

 Eu tenho VÁRIAS edições do mesmo livro.

 Alguns eu gosto mais, outros eu gosto menos, mas não consigo me desfazer de nenhum.

 Eu não me obrigo a ler, leio quando quero, o que quero e do jeito que quero (às vezes, lia até debaixo do chuveiro, mas com este hábito parei...).

 Eu tenho mais de mil livros, mas hoje são poucos que podem dormir comigo (meu marido é alérgico! )

 Tenho hábitos estranhos de organização. Às vezes, organizo por cores, às vezes por autores, às vezes por ordem desordenada que só eu entendo...

 Não tomo café, nem lendo.

 Às vezes, eu leio um pedaço de livro , a começar pelo meio, antes de ler o livro inteiro.

 Não ando sem livro, mesmo que seja um pequeno. Me aflige a idéia de não ter nada para fazer e nenhum livro pra ler.

 Eu risco meus livros sem dó, mas com muito cuidado (mesmo os mais caros , pois para mim não existe livro intocável).

 Alguns amigos me estranham, pois amo tanto meus livros que sou capaz de arrancar uma página que eu considero especial e dar para alguém que eu acho que não leu, para que esta pessoa descubra que precisa ler aquela obra de qualquer maneira...

 Já fui capaz de sentar numa biblioteca com caneta e papel na mão e copiar toda a página (que outrora eu tinha arrancado) e fazer um trabalho artesanal de colagem para deixar meu livro inteiro de novo.

 Eu não compro livro só porque está na mídia ou porque é moda ler determinado autor.

 Eu compro livro que me chama e que me espanta na prateleira.

 Gosto de deixar, entre as páginas dos meus livros antigos, alguma coisa perdida pra achar depois de muitos anos (pode ser uma foto, um bilhete para mim mesma, um ingresso de cinema, qualquer coisa que possa me emocionar sem que eu me lembre...)

 Tenho mania de ler até bula de remédio, rótulos de xampoo, contra-capas, revistas, jornais, panfletos, homens placas e até revistas de arquitetura.

 Eu não me importo em saber o final do livro, importa-me o desenrolar das letras.

 Não consigo não ler.

 Gosto de ficar em filas, para ter mais tempo pra ler.

 Não fico enjoada de ler em pé, andando, de carro, de avião ou deitada no chão.

 Além de ler os jornais, eu recorto tudo que me interessa pra reler depois quando a história já não for a mesma.

 Eu entro numa livraria e me esqueço da vida.

 Acho um charme, tomar um chocolate quente enquanto leio um livro que parece não acabar nunca...

 Quero ser dona de um café literário que se chamará "Beata de Bião". Dentro dele haverá um portão de ferro, tipo o que tinha na casa da minha avó, no estilo rococó (que fazia barulho de nhenhenhém e tudo mais). Os visitantes poderão caminhar pelos cantos e recantos onde haverão livros espalhados que poderão ser folheados e emprestados como se fosse uma biblioteca pública. Nele, todos os livros estarão a venda (tanto os novos quanto os usados). Eu, poderei ficar horas falando sobre um texto, um poema, uma sensação inesquecível de leitura, como tagarela que sou. Nele, haverá um velha gorda, que fará bolinhos de chuva e que servirá chá de cidreira e outras gostosuras . Haverá um balcão, tipo boteco, pra que alguns possam tomar um gole de conhaque "que bota a gente comovido como diabo" e dali recitar um trecho que arranque uma dor do peito. As pessoas não precisarão responder a pergunta "posso te ajudar?". Sem pressa poderão escolher: emprestar , comprar ou simplesmente ler. Lá, haverá também algumas obras de arte (que eu mesma farei) ilustrando livros especiais (tipo o poema CASO DO VESTIDO do Carlos Drummond). Tenho vontade de fazer um vestido de voil e escrever todo o poema por entre tecidos e rasguras, em tinta vermelha e com tanta paixão que seja impossível não querer ler... E se alguém passar e perguntar "Nossa mãe, o que é aquele vestido, naquele prego?" eu responderei "Minhas filhas, é o vestido de uma dona que passou..."

 Eu penso em fazer isto com tantos outros poemas, e tantos outros contos e tantos outros textos que acho que dinheiro mesmo, não passará por ali, será um café literário só de prazer...

 Se me vicio num escritor, quero comprar tudo dele pra me apaixonar inteira, ou não.

 Quando conheço uma biblioteca nova, tenho a mania de querer ler tudo de uma prateleira toda.

 Alguns livros são para ser lidos com lágrimas nos olhos, com a dor de uma perda , com um coração que merece ser arrancado do peito de tanta dor...

 Não suporto marcadores de livros... nunca lembro onde estão e geralmente não estão na página que parei.

 Como marcadores, uso coisas estranhas. Tipo, um flyer , um cartão postal ou nada... e sempre sei onde parei.

 Eu gosto de livro de cartas, embora me sinta um pouco atrevida por ler correspondências alheias.

 Eu não suporto gente que dobra as páginas dos livros ou que deixe marcas de café ou de mão suja dentro deles.

 Eu adoro quem grifa livros, porque tenho a sensação que estamos na mesma sintonia e paixão pelas letras.

 Também tenho a estranha sensação de ler algumas páginas inteiras e não ter lido nada... não sei se porque a história está chata ou porque se eu estava em outro lugar naquele instante.

 Já dormi lendo, hoje não leio mais para dormir.

 Não tenho rituais de leitura, embora na imaginação, haja sempre um lugar especial onde eu gostaria de estar para ler determinada obra.

 Existem livros que só podem ser lidos ao lado de alguém, bem baixinho com olho no olho... meteóricamente.

 Já fiz um desenho de um barco no quintal , cheio de livros no convés, onde eu pudesse deitar e ler sem medo da chuva ou do mar bravio.

 Não discrimino literatura, mas algumas coisas... "não li e não gostei!"

 Às vezes, compro o livro pelo autor, pois não quero perder nenhum instante dele.

 Tenho a sensação de que morrerei com um livro nas mãos...

 Já chorei por ter que escolher entre livros ou alguém.

 Hoje acho que estou acima de escolhas e que em algum lugar, sempre haverá um livro meu ou que ainda me pertencerá.

 Livro de papel , para mim, é eterno.

 Meus livros, serão minha única herança, para os que depois de mim, virão.

Quem é o próximo a compartilhar seus hábitos de leitor?

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Lembrança que alimenta

Desenho by Felipe Godoy, Garfo sem Dentes

Algodão doce

Quem já provou sabe... deixar o algodão-doce tocar o céu da boca , derretendo inesperadamente e deslizando pela língua de forma quase etérea, pode ser uma aventura inesquecível, imperdível e inimaginável...

É lá...

... que compro: alfinete pra pregar margarida no cabelo. óleo de banana para remover esmaltes. sininhos para pendurar nas orelhas. pele de onça pra me embrulhar na noite escura e não ter medo nunca , de nada. água de bica para borrifar no rosto quando o sol fica vermelho à pino. cheirinho pra perfumar as dobras do joelho. e, um tanto quanto de outras coisitas mais...