sábado, 7 de março de 2009

Rugindo, rasgando, roendo...

imagem em agenda pessoal by sônia alves dias


"Viver e inventar. Eu tentei. Acho que tentei. Inventar. Não é bem essa a palavra. Viver também não é. Seja. Eu tentei. Enquanto dentro de mim ia e vinha a besta feroz da seriedade, rugindo, rasgando, roendo. Eu fiz isso. E completamente sozinho, bem escondido, fiz o papel de palhaço, sozinho, hora após hora, imóvel, muitas vezes de pé, numa atitude de enfeitiçado, gemendo. Isso, gemendo. (...) Me perseguiam, eles, os maiores, os justos, me agarravam, me batiam, me faziam voltar para a roda, a partida, a alegria. Eu já era uma vítima da seriedade. Foi minha grande doença. Nasci sério como tem gente que nasce sifilítico. E foi com seriedade que tentei deixar de sê-lo, viver, inventar, eu sei o que estou dizendo. Mas a cada nova tentativa eu perdia a cabeça, me precipitava para minhas trevas como se fosse em direção a um santuário, me atirava aos pés daquele que não pode nem viver nem suportar o espetáculo dos outros vivendo."

No livro Malone Morre.
Tradução de Paulo Leminski.
SAMUEL BECKETT

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