Praia dos Lençóis - 10/01/2010 - BA
A Praia dos Lençóis (em Porto Seguro, na Bahia) é longa e deserta.
Os moradores antigos dizem que sempre foi assim, porque é violento seu mar e muitas pessoas que ali entraram, não voltaram para contar estória.
Não tem barracas, não tem vendedores, não tem turistas acidentais.
De um lado o infinito, do outro a imensidão e diante do olhar suspenso, um mar sem fim e um céu pintado cheio de nuvens de algodão.
Lá do meu quarto com a janela aberta a noite, eu ouvia o mar quebrando estrondosamente. Fosse lua cheia ou não o barulho era o mesmo, intenso e assustador.
Eu sentia arrepios pelo corpo inteiro, porque ele era tão imponente e tão forte que eu tinha a sensação que ele sairia dos limites impostos pela natureza e tomaria toda a encosta e entraria pela casa adentro e não deixaria ninguém incólume. Assim, de uma vez só.
Quando eu acordava o mar parecia estar dormindo, porque eu o escutava bem longe... quase sussurrando.
Durante o dia, quando eu atravessava a rua e entrava por um curto caminho cheio de árvores e galhos secos, eu me deparava com ele e o saudava com reverência.
Era bonito demais de ver, espelho azul no horizonte com sua fúria natural urrando na imensidão.
Céu e mar se misturavam e eu tinha a sensação de que estava sempre pelo avesso.
Eu nem me reconhecia quando sozinha ali entrava. Era um outro espaço, uma outra dimensão e aos poucos eu ia me despindo de tudo que havia lá fora.
Algumas braçadas e eu tocava as nuvens, tocava a linha do horizonte e via a vida desfilar suas idas e vindas, suas complicações e seus teoremas e apagava tudo da minha mente, me entregava ao prazer de estar perdida naquele paraíso.
Naquela manhã, eu acordei com o sol nascendo, peguei meu livro “KAFKA, e a marca do corvo” e fui amanhecer na areia.
Já pisei em seu solo sem chinelos, pois gostava da sensação de tê-lo inteiro, de olhar ao longe e ver como rapidamente ele se aproximava de mim, como se fosse um velho conhecido meu.
Na Praia dos Lençóis a vontade era de se despir de tudo e caminhar sem destino pela areia, pela água pura e cristalina e se perder entre tantos azuis.
O sol brilhava a pino e o dia do outro lado da rua estava tão silencioso que era possível ouvir as ondas quebrando, as areias minúsculas se movendo como se fossem pequenas dunas e o meu corpo afundando entre areia e mar.
Guardei o livro na bolsa e me deixei tomar por aquela lânguida manhã.
Guardei a canga , pois ali não havia ninguém , em lugar nenhum , para me espiar por buracos de fechadura.
Guardei o óculos escuros e saudei o sol, saudei a vida, me alonguei até o infinito.
O Mar audacioso, me saudou, beijando meus pés como se Don Juan fosse.
Eu embevecida, toquei-lhe a fronte e o coloquei em meu rosto, deixando-o escorrer suavemente até meus lábios dormidos.
O Mar, petulante, me agarrou pelo pescoço e me jogou em suas vagas calientes.
Eu , de surpresa, dei um grito assustada.
O Mar atrevido, se balançou entre meus quadris e sem pedir licença, desenlaçou minhas vestes e me carregou para seu leito.
Eu entontecida, tentei fugir, mas ele galantemente me pegou em seus braços e me aninhou amorosamente.
Olhei ao redor, buscando seres reais, não havia nenhum.
Olhei para o Mar e me deixei levar, sem medo.
O Mar , dono do seu leito e conhecedor das suas profundezas, me convidou à arroubos e eu me permiti.
Ele, naquele instante, me enamorava malemolente e na cadência dos seus enlaços me deixei levar.
Eu o namorei naquela manhã.
Eu me enrolava nele e ele me lambia ousadamente. Eu escorregava entre suas curvas e ele me engolia inteira, me jogava no chão, me dominava com sua robustez. Eu me levantava, tentava segurá-lo pelas brancas crinas como se fosse possível domá-lo, acariciava-o com minhas mãos pequenas que mal conseguia segurá-lo por 5 segundos e ele me arremessava para o alto, para os lados, como se fosse o senhor do Universo e dos meus desejos.
O mar me amava, me queria, eu tinha certeza.
Não havia canção no ar, não havia livro com frase feita, não havia poeta escrevendo rimas, nem pintor desenhando quadro. Não havia nada para traduzir o que se passava com aquelas duas forças de naturezas distintas.
Havia apenas uma moça despida e um mar sedento, na arrebentação dos quereres.
Perdi a noção da hora. O tempo na ampulheta da areia, me arrastava para mais longe, cada vez mais longe... e eu ia, eu me largava, me alongava, me deitava inteira naquele azul febril.
Sem ninguém por perto, eu gritava bem alto que o queria. O Mar, trovejava em mim. Se eu gritava “VENHA, NÃO TENHO MEDO” ele enfiava sua língua quente em minha boca macia e me fazia sufocar.
Ele sabia das artimanhas do amor. Ele sabia como me seduzir. Ele me arrancava com força e me lançava para o espaço. Ele abocanhava meu frágil corpo e arranhava meu ventre desnudo. Eu sentia os açoites em minhas coxas e costas lisas. O Mar era de marinheiros fortes, era de Iemanjá – Deusa verdadeira, e eu era apenas um corpo desgovernado, delicada embarcação fantasiada de moça nua de vida real.
Jogada de volta à terra, de braços abertos para o sol, exaurida me deixei ficar.
O Mar insaciável e sedento voltou para me amar.
Eu fingia que não o conhecia, que não era comigo e deixava ele tentar me convencer de que ainda o queria.
Como moça antiga , de antigas seduções, eu não me deixava levar pelos desejos urgentes dele não.
Ele tocava meus pés e me arrepiava inteira, mas eu não caia em suas tentações.
Ele sussurrava baixinho com suas ondas flamejantes... lambia meus tornozelos e ia subindo atrevidamente... mas eu deixava-o apenas chegar até os meus quadris e fugia ... rolávamos pela areia como dois esquecidos pelo mundo.
Ele alcançava meus seios desnudos e os envolvia com suas gigantescas mãos... eu virava-me de costas e o aprisionava em meu peito.. ele ria e rugia... e assim fugíamos um do outro, provocantemente.
Às vezes, irritado, me batia na cara.
Me derrubava em seu leito e me beijava a boca, com sua língua salgada, voraz, faminto, em total frenesi.
Eu deixava ele lamber meus lábios e me afastava. Eu deixava ele lamber minhas pernas e me esquivava. Eu deixava ele tocar meus pés e pedia mais... com mais calma.
Ele, sem galanteios, me agarrava e me arrastava como se eu fosse um animal, indefeso... mas, eu não era indefesa não... ele é que era minha presa.
O Mar era meu amante e dele eu entrava e saia quando bem quisesse, ou quase.
Ele me engolfava, me cuspia, me tomava e me deixava exausta. Eu o alimentava, o entontecia, o enamorava e fugia... rindo... caindo... me levantando... me deixando amar.
Era uma dança frenética, animalesca, selvagem.
Eu aceitava sua fúria. E, ele me batia impiedosamente. E, quanto mais ele me dominava, mais eu me entregava a sua imensidão. Não havia medo em mim, nem dor. Só o prazer de ser tomada por ele, inteira. E se ele me beijava a força, eu abria os braços para recebê-lo e se ele me inundava o corpo com sua quentura mais eu me deixava inundar por todos os poros , até que meu corpo esgotado fosse depositado em seu flanco esquerdo e eu pudesse ouvir aquele som feroz que saia do seu peito e arrebentava minha janela enquanto eu o via ao longe à luz da lua... todas as noites, do meu quarto.
E, quanto mais aquele Mar me arrastava para suas profundezas, mais eu o queria. Quanto mais ele me açoitava, mais eu enlouquecia. Ele arrancava tudo de mim, eu delirava em seus longos braços invisíveis. Meus cabelos emaranhados, repletos de conchas e cavalos marinhos, eram puxados de encontro ao seu peito. Eu me debatia, apenas pelo prazer, e me entregava de braços abertos "me toma Mar, que hoje eu sou tua"
Meus pés voavam, de encontro as coxas dele. Minha boca se abria para sua loucura. Meus olhos doiam e eu não me importava. Só queria ele, só precisava dele... e mais nada.
Na Praia daqueles Lençóis, o Mar, por fim me deitou na areia como se fosse uma rainha. Estendida ao chão eu o olhava partir. Suas costas largas , se confundiam com o céu. Ele se afastava e nem me olhava, nem dizia adeus.
Apenas me deixava ali, exaurida de prazer.
Foi uma manhã inteira de encontro sagrado com o profano Mar da Costa do Descobrimento.
Quando o sol me secou, tal qual roupa branca quarando no varal, vesti meu biquini , amarrei o cabelo e com meu livro debaixo do braço voltei para casa pela estradinha de terra...
... descalça e com um sorriso secreto entre os lábios entreabertos, ia pensando em tudo o que acontecera.
A noite, eu tinha certeza, o Mar bateria de novo na minha janela me convidando para amanhecer com ele...