segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Um livro, dentro do livro.

Revista BRAVO!
Sérgio que Amava Márcia, que Amava Roberto...
Por Daniel Benevides

Em seu quarto romance, “O Gato Diz Adeus”, o gaúcho Michel Laub mistura jogo erótico com jogo literário.

Na geometria do amor, os triângulos tendem a ser escalenos: sempre há um lado mais forte e outro mais fraco. Em O Gato Diz Adeus, quarto romance do gaúcho Michel Laub, a equação se aplica, mas os lados mudam de tamanho à medida que um sombrio ménage à trois evolui por ângulos inesperados. A história é contada em forma de diário, com os personagens dando seus depoimentos, um atrás do outro, como se o livro fosse também o roteiro de um documentário íntimo, ou o "tabuleiro" de um jogo ou exercício literário, em que a ficção disputa espaço com a metalinguagem.

Aos 40 anos, Sérgio é um escritor semifracassado, amargo em relação ao único êxito — um livro de estreia resenhado por meia dúzia de jornais e revistas, cuja edição durou meia dúzia de anos e foi parar em meia dúzia de sebos. Professor de letras, é casado com Márcia, atriz, dez anos mais nova. Obcecado por histórias em que o marido oferece a esposa a outros homens — histórias que lê em revistas pornográficas —, Sérgio inicia um jogo cruel de (in)fidelidade, levando Márcia a casas de swing e, depois, incentivando-a a seduzir seu aluno e melhor amigo, Roberto. A história, simples a princípio, converte-se num quebra-cabeça que vai se montando na cabeça do leitor. Trechos de reportagens de jornal se interpõem aqui e ali, deixando a sensação de que algo terrível se passou entre os três.

OUTRAS VOZES

Numa virada da trama, surge Andreia, aluna de Sérgio. Ela lê a mesma novela que o leitor tem nas mãos. E tem a sensação de que é um recado, um alerta que lhe é especialmente dirigido, por razões que só saberemos no final. Assim, O Gato Diz Adeus se constrói como um livro-dentro-do-livro, com tudo o que isso tem de bom (a engenhosidade) e de ruim (o esquematismo). Nos melhores momentos, o livro atinge o desejado efeito de levar o leitor a envolver-se com os destinos cruzados de Sérgio, Márcia e Roberto.

Laub relaciona algumas obras que podem (ou não) tê-lo influenciado na feitura dessa boa novela. Dentre elas, A Chave, do escritor japonês Junichiro Tanizaki, parece mesmo abrir uma porta, com seu enredo de diários escondidos e a arquitetura planejada de traições e jogos eróticos.

Não deixa de ser curioso um escritor que, em busca de sua voz própria, revele tão claramente as vozes que podem tê-lo guiado. É um gesto que parece misturar autoironia, honestidade intelectual e desejo de legitimidade. E acaba reforçando a impressão de que O Gato Diz Adeus talvez sofra um pouco do mal de Montano, aquela "doença" diagnosticada pelo espanhol Vila-Matas, cujo sintoma é certa palidez das emoções e a insistente rendição ao exercício estritamente literário.
O Gato Diz Adeus
, de Michel Laub. Companhia das Letras, 80 págs.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, obrigada pela visita, blog muitíssimo interessante, beijo!