domingo, 7 de novembro de 2010

Valsa n 6


MOCINHA
(aumentando progressivamente a voz, até ao grito)
Sônia!... Sônia!... Sônia!...

(para si mesma)
Quem é Sônia?... E onde está Sônia?

(rápida e medrosa)
Sônia está aqui, ali, em toda a parte!

(recua)
Sônia, sempre Sônia...

(baixo)
Um rosto me acompanha... E um vestido... E a roupa de baixo....

(olha para todos os lados; e para a platéia, com meio riso)
Roupa de baixo, sim,

(com sofrimento)
diáfana, inconsútil...

(com medo, agachada numa das extremidades do palco)
O vestido que me persegue... De quem será, meu Deus?

(corre, ágil, para a boca de cena. Atitude polêmica)
Mas eu não estou louca!

(lá cordial)
Evidente, natural!... Até, pelo contrário, sempre tive medo de gente doida!

(amável e informativa, para a platéia)

No tempo de mamãe usava-se espartilho, róseo e de barbatana.

(frívola)
Mamãe está chorando.. . Papai, ao lado, nervosíssimo!

(novamente apavorada)
Mas que foi que aconteceu, ora essa?
Na minha família — e graças a Deus — nunca houve um caso de loucura...

(grita, exultante)
Parente doido, não tenho!

(sem exaltação, humilde e ingênua)
Só não sei o que estou fazendo aqui...

(olhando em torno)
Nem sei que lugar é este.

(recua, espantada; aperta o rosto entre as mãos)
Tem gente me olhando!

(olha para os lados e para o alto. Lamento maior)
Meu Deus, por que existem tantos olhos no mundo?

(sem transição, frívola e cordial)
Depois eu me lembro de tudo o que fui, de tudo o que sou. 
 
Descubra Sônia aqui, na  Valsa n.6 de Nelson Rodrigues.

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