domingo, 21 de novembro de 2010

O enforcado



Às vezes, por acaso, você se depara com um texto que poderia ser seu (de tão profundo reconhecimento de dor). A sensação primeira é a clássica "eu já passei por isto", a segunda é "não quero passar de novo". Mas, o pior de tudo, é no íntimo saber, que enquanto estivermos vivos, isto pode acontecer a qualquer momento (não importa o quão feliz estejamos neste instante). O amanhã nunca morre... 

Este aqui veio deste blog bacana:  BODY AND PROFANE ART e o título é certeiro: 

todas as cartas de amor são ridículas

Ao anjo torto
G.
Embora eu tenha uma vida humanamente miserável, pequena, um quase nada que se arrasta pelo tempo e espaço, eu espero que você tenha encontrado algum tipo de felicidade. 
Porque eu vou sempre continuar doendo aqui, em silêncio. Se eu continuo viva, é apenas pra passar meus dias dissecando nossos passos perdidos e que hoje rolam no ar, juntos talvez, já deixando transparecer parte do nosso pó futuro.
Você se lembra daquela chuva que você sentiu a natureza? Ela vem sempre morrer nos meus olhos.
Há mais de um ano você me deixou aqui, puta, bandida, timidamente calada, sentindo na garganta a corda da rejeição. Teoricamente, nossas cabeças já estavam rolando entre os pés imundos daqueles que deveriam nos amar. Você arrancou a corda, forjou uma queda e me deixou na forca sozinha, não me sobrou sequer um algoz.
E você me diz:
“– A mudança me fez grande, grande para perdoar. Meu silêncio já te torturou demais. Sempre serei o seu vazio. Nem meus pais eu amei tanto como amei você. Mas o amor virou cruz vadia carregada sem qualquer hipótese de redenção. Tive de ter coragem para rasgar-te as vestes e sepultá-las junto com o meu amor.”
Você se foi para sempre. E o que me resta é o ritual diário de te mandar um e-mail. Um e-mail que você não lê. Um dia você vai abandonar esse e-mail, mas eu manterei esse contato, porque essa é a corda que me restou. Se no dia do segundo abandono sua conta eletrônica for desativada e o e-mail retornar, entenderei como uma resposta sua, entenderei como um ‘eu te amo também’ às avessas, já sem amor, já sem corpo, etéreo e virtual.
H.


Detalhe: 
Depois da publicação do e-mail  recebi a resposta: "Escreve um livro em prosa poética sobre sua vida e me deixa em paz."

Um comentário:

garfo sem dentes disse...

Quando dá essa assimilação que você cometou, de alguém já ter vivido aquilo que um texto diz é uma forma da dor ser compartilhada, talves até divida, parece que não só voce viveu e sentiu aquilo já dá um alívio. eu curti esse texto acho que imagino intensidade dele.

gabriela godoy