quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Dedos nas folhas brancas


OBRA, O FIM
( Cristovão Tezza )

Eu era escritor. Nunca realizei uma obra completa porque aos movimentos da mão as letras transformavam-se em símbolos de uma outra linguagem, mais próxima da pintura que do trabalho literário. A tradução, sutil, confundia-me. Um nó prendendo a garganta, caneta suspensa, página inacabada, palavras, riscos, pontilhados... Incompletos, eram belos, mas a angústia exigia mais.

Com o tempo - vinte, trinta, quarenta, cinqüenta anos - tudo se tornou espera. Seduziu-me a idéia de que minha função era justo a coisa pela metade, esse adiamento. Balançando-me na cadeira da biblioteca, o olho perdido entre a última fileira de livros, o teto e uma aranha, senti momentos de verdadeira felicidade. Aguardava o amadurecimento: uma rosa (um mistério) haveria de se abrir, acabada, pétalas curvadas em si mesmas, completas.

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