... naquela quinta feira, a médica de plantão me chamou na sala principal. eu seria a acompanhante noturna e deveria saber das condições dele. ele estava vivo, mas a doença estava numa fase terminal (aquilo queimou em mim, e foi muito difícil aparentar uma serenidade que eu estava longe de sentir) "ele poderia viver vários meses... " ( "como assim ? " era a mensagem que meu cérebro enviava ao meu coração, "que tempo é este que nos tira a esperança ? a pessoa que mais amamos ? " ) , ela tinha cabelos claros tingidos - na altura dos ombros, e disse-me baixinho "ele pode ainda, morrer como um passarinho, e nem sentir mais dor ..." (e meu coração, batendo alucinado, tentava enviar ao meu cérebro a lucidez que eu não mais tinha – eu era toda sentidos) "e a minha dor ? eu sou egoísta sim, ouviu ? eu quero que ele fique porque eu não quero sentir dor ! eu não quero que ele morra como um passarinho , eu não quero sentir a falta dele ! eu quero meu pai vivo, com dores ou sem dores, mas eu quero o colo dele, os olhos dele, a mão dele nos meus cabelos nos sábados à tarde, a benção da 6o feira santa após o almoço de Páscoa, os absurdos que ele imagina e quer que eu faça... ( e eu não fiz o quadro para a Dra Gioconda, que ele me pediu...) eu o quero vivo ... eu o quero neste mundo, porque o resto... o resto eu desconheço..." eu não chorei através dos meus olhos, mas minhas mãos crispadas e meu coração , já eram órgãos independentes em mim e soluçavam sem parar... voltei para o quarto engolindo o choro, não queria que ele me visse chorando... queria que se morresse como um passarinho a imagem que tivesse na retina fosse os meus olhos sorrindo. Fingi uma brincadeira, contei estóriasd e Humanos Encantados e Pequenas Princesas, falei sobre política (sem Paulo Maluf e FHC, pediu ele) sobre Cuba , sobre a próxima viagem que eu queria fazer (e ele falou para eu ir a Fernando de Noronha, que era o maior Paraíso da terra e as pessoas não se davam conta disto, vide eu que queria ir para as Ilhas Gregas !). Fiquei ali levantando e descendo o encosto da cama... agora sobe... agora desce... conforme ele me pedia... a noite gelada e ele querendo que as enfermeiras trouxessem um cobertor para eu dormir...mas eu não queria dormir... fiquei olhando para Céu através da janela esperando que tudo desse certo. Numa brincadeira infantil de antigamente, entre um intervalo de descanso coloquei o dedo na testa dele e disse: "diz agora o que você está pensando... sem tentar me enganar ! " ele esboçou um sorriso forçado, a boca seca , os dedos frios e falou "ah ,minha filha, eu estava aqui pedindo a Deus que me deixasse voltar pra casa" acho que foi o último pedido, e enquanto ele gemia eu ficava ali segurando a mão dele com a minha luvinha de criança (nesta hora me dei conta, de como minhas eram pequenas...) . Era uma hora da manhã, a noite estava fria, mas eu não sentia nada. Lá fora, a madrugada parecia tarde de outono, e algumas flores do lado de fora da janela, caiam de um galho alto , dezenas de florzinhas amarelas. De repente, a pressão se perdeu e os médicos tiveram que tirá-lo de perto de mim e encaminhá-lo para um outro andar, para uma outra sala. Ele foi de elevador, e eu corri pelos corredores escuros para encontrá-lo quando as portas se abrissem. Quando me viu, pediu-me para trazer as coisas dele, que haviam ficado na mesinha de cabeceira, era para pegar os chinelos ... e ... e ... eu fui soltando sua mão ... sabendo que ele estava partindo...
domingo, 15 de março de 2009
Coração passarinho
... naquela quinta feira, a médica de plantão me chamou na sala principal. eu seria a acompanhante noturna e deveria saber das condições dele. ele estava vivo, mas a doença estava numa fase terminal (aquilo queimou em mim, e foi muito difícil aparentar uma serenidade que eu estava longe de sentir) "ele poderia viver vários meses... " ( "como assim ? " era a mensagem que meu cérebro enviava ao meu coração, "que tempo é este que nos tira a esperança ? a pessoa que mais amamos ? " ) , ela tinha cabelos claros tingidos - na altura dos ombros, e disse-me baixinho "ele pode ainda, morrer como um passarinho, e nem sentir mais dor ..." (e meu coração, batendo alucinado, tentava enviar ao meu cérebro a lucidez que eu não mais tinha – eu era toda sentidos) "e a minha dor ? eu sou egoísta sim, ouviu ? eu quero que ele fique porque eu não quero sentir dor ! eu não quero que ele morra como um passarinho , eu não quero sentir a falta dele ! eu quero meu pai vivo, com dores ou sem dores, mas eu quero o colo dele, os olhos dele, a mão dele nos meus cabelos nos sábados à tarde, a benção da 6o feira santa após o almoço de Páscoa, os absurdos que ele imagina e quer que eu faça... ( e eu não fiz o quadro para a Dra Gioconda, que ele me pediu...) eu o quero vivo ... eu o quero neste mundo, porque o resto... o resto eu desconheço..." eu não chorei através dos meus olhos, mas minhas mãos crispadas e meu coração , já eram órgãos independentes em mim e soluçavam sem parar... voltei para o quarto engolindo o choro, não queria que ele me visse chorando... queria que se morresse como um passarinho a imagem que tivesse na retina fosse os meus olhos sorrindo. Fingi uma brincadeira, contei estóriasd e Humanos Encantados e Pequenas Princesas, falei sobre política (sem Paulo Maluf e FHC, pediu ele) sobre Cuba , sobre a próxima viagem que eu queria fazer (e ele falou para eu ir a Fernando de Noronha, que era o maior Paraíso da terra e as pessoas não se davam conta disto, vide eu que queria ir para as Ilhas Gregas !). Fiquei ali levantando e descendo o encosto da cama... agora sobe... agora desce... conforme ele me pedia... a noite gelada e ele querendo que as enfermeiras trouxessem um cobertor para eu dormir...mas eu não queria dormir... fiquei olhando para Céu através da janela esperando que tudo desse certo. Numa brincadeira infantil de antigamente, entre um intervalo de descanso coloquei o dedo na testa dele e disse: "diz agora o que você está pensando... sem tentar me enganar ! " ele esboçou um sorriso forçado, a boca seca , os dedos frios e falou "ah ,minha filha, eu estava aqui pedindo a Deus que me deixasse voltar pra casa" acho que foi o último pedido, e enquanto ele gemia eu ficava ali segurando a mão dele com a minha luvinha de criança (nesta hora me dei conta, de como minhas eram pequenas...) . Era uma hora da manhã, a noite estava fria, mas eu não sentia nada. Lá fora, a madrugada parecia tarde de outono, e algumas flores do lado de fora da janela, caiam de um galho alto , dezenas de florzinhas amarelas. De repente, a pressão se perdeu e os médicos tiveram que tirá-lo de perto de mim e encaminhá-lo para um outro andar, para uma outra sala. Ele foi de elevador, e eu corri pelos corredores escuros para encontrá-lo quando as portas se abrissem. Quando me viu, pediu-me para trazer as coisas dele, que haviam ficado na mesinha de cabeceira, era para pegar os chinelos ... e ... e ... eu fui soltando sua mão ... sabendo que ele estava partindo...
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