terça-feira, 16 de setembro de 2008

A Cega das InSônias

Ilustre Senhor José Saramago


Sêo Moço,

há muito te encontro. em páginas antigas. há muito espero, velejar contigo.

por dentro. de dentro. navios. naufrágios. ensaios. cercos. objectos. QUASE. josé. jesus. ricardo. cirius (meu). todos os nomes, bagagens. evangelhos. perdidos. ouro de tolo. todos cegos (fomos, somos, estamos, seremos). ad eternum. in nomine dei. serenus. cadernos. cavernas. caligrafias. JANGADA pr´ eu ir. não é doce morrer no mar. que as mães do Tejo, o digam. que derramem. Pessoa e lágrimas. naus partidas. em ilhas, desconhecidas.

sou cega. andante. errante. desconheço o ano de minha morte. já quis fugir desta vida. fiquei. parei. dei sinal. encontrei cães (há cães em todos os lugares) . mas, eles não lamberam minhas lágrimas. um mordeu-me a panturrilha. sangrou. chorei. era ano novo. achei que seria mordida o ano inteiro. passou. cicatrizou. de vez em quando, coça. me lembro do cão. do dia. da hora. do medo. fugi da vacina. e todo dia, um após o outro. eu me achava morta, estendida, esperando a raiva me tomar inteira. nunca tomou. não morri. o cachorro se foi. ficou em mim.

já plantei flores que não brotaram. escrevi livros que guardo na gaveta. sem coragem de sair do casulo. me embrulho em casa com memórias remotas. lembranças que me alimentam. quando meu pai era vivo eu achava que era feliz. muito. depois que ele partiu. vivo tentando encontrar felicidades ao acaso. demora. às vezes, quase desisto. resisto. persisto. sigo adiante.

não rezo. não porque não acredito em deus, mas porque sou cria do meu Pai. e achava que ele era meu Deus. depois que partiu, fiquei órfã de religião. mas, quando em perigo , imploro "ai meu pai que estais no céu, me proteja, me ajude, me salve". sempre sou salva. acho que meu pai me ama. mesmo não estando mais neste circuito interno controlado por antenas de tv.

avante. andante. mirante. além.

o telefone , às vezes, toca. e eu atendo sem querer. sem querer também pego gripe, resfriado e tropeço em minhas pedras , nos rins. levanto-me. leio livros antigos de edições passadas. são os que mais amo. os que mais gosto. os que guardo no meu baú , trancados à 7 chaves. gosto de números ímpares. de coca cola e maria mole.

nunca tive um passarinho. peixinho já. mas, morreu. cachorros vários, mas nunca nenhum exclusivamente meu. queria ganhar um para dar o nome de Teófilo Severino. eu gosto da sonoridade deste nome, era o nome que meu pai queria ter. por incrível que possa parecer. é realmente lindo. não querer ser Alain Delon. mas, ser Teófilo (de Severino) ou José (de Saramago).

meu nome é sônia (dos alves) (dos dias). sou uma gaja. gaijin. brasileira. tenho hoje a idade que Cristo tinha quando conversou com o diabo. e com deus, na barca. atravessada. pendente. pairada. sobre um rio.

um dia quero morar em portugal. ter um café literário onde as pessoas possam comer bolinho de chuva (feito por uma velha preta gorda) e saborear um livro puído cheio de estórias contadas. neste dia, chamar-lhei-ei Sr Saramago, para tomarmos um chá de flor de laranjeira. o ar estará perfumado com galhos de alecrim. e Pylar del Rio lhe fará companhia. assim como Ciro Willian ,meu amado, que gosta de coçar minha cabeça e me chamar de Bailarina ( mesmo que eu nunca tenha esticado uma perna e tampouco dançado uma valsinha numa caixinha que toca lindas melodias ) .

hoje a noite irei vê-lo. mais uma vez (já o vi anteriormente) . meu dia fica radiante e sempre o sol aparece. ilumina. irradia. incandesce.

se sorte tiver, entregar-lhe-ei este bilhete e mais alguma coisa mínima. não posso dizer que o Sr modificou meu viver. meu pai sim, meu amado talvez. mas, as leituras que faço de suas palavras, são sempre enriquecedoras e ME FAZEM QUERER SER ( alguém que nunca sou ) , ESTAR ( num lugar onde nunca estou ), ENCONTRAR ( algo que nunca descubro o que é ).

ainda há de chegar meu tempo. quando. não sei. mas, sigo seus rastros. e querendo ser melhor, já é melhor do que não ser. querendo encontrar algo, é melhor do que não ter o que buscar. seguir pistas , é melhor do que caminhar no escuro – como cega – que sou, já fui, serei.

A cega, das inSônias.

são paulo, quinta feira de sol quase nublado – mas, sol.
Sônia Alves Dias - 16/09/2008