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terça-feira, 25 de agosto de 2009

Lembrete

Às pessoas queridas que estão me pedindo imagens da tela que fiz com meu sentimento rasgado do livro Lavoura Arcaica, infelizmente não poderei atendê-los. Pois ao me casar e mudar para um novo lar, deixei na antiga casa, minhas antigas preces...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Impressões

Edição mais recente e especial (comemorativa de 30 anos)
presente do maridão no ano de 2005.

Já li tantos livros que perdi a conta. Algumas primeiras páginas me impressionaram bastante, outras nem me lembro mais. Faz tempo que não leio um livro que me cause calafrios, tonteiras e aquela emoção indescritível de estar diante de algo sublime.

Devo estar procurando bons livros em prateleiras erradas ou estou chata demais com as letras alheias. O último escritor que me tornei devota foi Raduan Nassar.

Ao ler as primeiras páginas de Lavoura Arcaica eu ia pensando "eu queria ter escrito isto... como é que alguém escreve assim... como é possível tanta emoção ? " as palavras iam ganhando força, os personagens iam jorrando seus medos, o texto era de arrepiar os cabelos.

Eu voltava e lia de novo, grifava parágrafos inteiros e até hoje , distraidamente me pego recitando literalmente "Pondo folhas vermelhas em desassossego, centenas de feiticeiros desceram em caravana do alto dos galhos, viajando com o vento, chocalhando amuletos nas suas crinas, urdindo planos escusos com urtigas auditivas, ostentando um arsenal de espinhos venenosos em conluio aberto com a natureza tida por maligna"... impossível não se deixar dominar pela beleza desta escrita tão rara, tão forte, tão densa.

Me apeguei tanto à este livro que pintei tela com o trecho acima e coloquei na entrada do meu antigo apartamento.

Era como se fosse uma reza, para mim uma prece...

A primeira página deste livro, para mim, fez toda a diferença!

Primeira página

1
"Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo; eu estava deitado no assoalho do meu quarto, numa velha pensão interiorana, quando meu irmão chegou pra me levar de volta; minha mão, pouco antes dinâmica e em dura disciplina, percorria vagarosa a pele molhada do meu corpo, as pontas dos meus dedos tocavam cheias de veneno a penugem incipiente do meu peito ainda quente; minha cabeça rolava entorpecida enquanto meus cabelos se deslocavam em grossas ondas sobre a curva úmida da fronte; deitei uma das faces contra o chão, mas meus olhos pouco apreenderam, sequer perderam a imobilidade ante o vôo fugaz dos cílios; o ruído das batidas na porta vinha macio, aconchegava-se despojado de sentido, o floco de paina insinuava-se entre as curvas sinuosas da orelha onde por instantes adormecia; e o ruído se repetindo, sempre macio e manso, não me perturbava a doce embriaguez, nem minha sonolência, nem o disperso e esparso torvelinho sem acolhimento; meus olhos depois viram a maçaneta que girava, mas ela em movimento se esquecia na retina como um objeto sem vida, um som sem vibração, ou um sopro escuro no porão da memória; foram pancadas num momento que puseram em sobressalto e desespero as coisas letárgicas do meu quarto; num salto leve e silencioso, me pus de pé, me curvando pra pegar a toalha estendida no chão; apertei os olhos enquanto enxugava a mão, agitei em seguida a cabeça pra agitar meus olhos, apanhei a camisa jogada na cadeira, escondi na calça meu sexo roxo e obscuro, dei logo uns passos e abri uma das folhas me recuando atrás dela: era meu irmão mais velho que estava na porta; assim que ele entrou, ficamos de frente um para o outro, nossos olhos parados, era um espaço de terra seca que nos separava, tinha susto e espanto nesse pó"

Raduan Nassar - Lavoura arcaica
Copyright 1975, 1982, 1989