Soltou os cabelos e os balançou no ar. O mar não estava pra peixe. Era tempo de tigresa, noite azul com vermelho dentro. Os cílios longos sob os olhos claros, faziam sombras na face branca. Garras imaginárias, felina, se arranhava toda. Chuva forte sob seu dorso caia, mas seus pelos não tremiam, nem arrupiavam. Era deusa, sabia, lembrava.
A meia-noite, lambeu as patas, dedo por dedo. A língua solta, tocou o céu e ela abocanhou o negrume da madrugada, sem piedade das estrelas dormentes. Cada passo, um gingado. Tigresa, tigresa, tigresa...
Sorveu água de rio, contemplando a própria silhueta esguia. Aflorou o insaciável desejo de devorar uma presa, ruidosamente, febril. Pisou sobre folhas secas, e como predadora noturna, aguardou o momento certo de atacar, para dilacerar. Mas, tudo o que encontrou, foi dente-de-leão se abrindo.
Amanhecia...
foto arquivo pessoal - Trancoso / BA 2010
Tigresa
Caetano Veloso
Uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel
Uma mulher, uma beleza que me aconteceu
Esfregando a pele de ouro marrom
Do seu corpo contra o meu
Me falou que o mal é bom e o bem cruel
Enquanto os pelos dessa deusa tremem ao vento ateu
Ela me conta sem certeza tudo o que viveu
Que gostava de política em mil novecentos e sessenta e seis
E hoje dança no Frenetic Dancin’ Days
Ela me conta que era atriz e trabalhou no Hair
Com alguns homens foi feliz com outros foi mulher
Que tem muito ódio no coração, que tem dado muito amor
E espalhado muito prazer e muita dor
Mas ela ao mesmo tempo diz que tudo vai mudar
Porque ela vai ser o que quis inventando um lugar
Onde a gente e a natureza feliz, vivam sempre em comunhão
E a tigresa possa mais do que o leão
As garras da felina me marcaram o coração
Mas as besteiras de menina que ela disse não
E eu corri pra o violão num lamento
E a manhã nasceu azul
Como é bom poder tocar um instrumento
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