imagem tecida por Sônia Alves Dias
Não é aqui não
Alguém gritou da balaustrada:
— Não é aqui não! |
Era, era lá. |
Uma casa antiga, um batente alto,
era um orquidário. |
Em tudo, uma paisagem velha
como soem parecer
essas florestas onde
as orquídeas pendem
e os pássaros chegam
em rota migratória. |
Não procurava pássaros,
nem rotas,
nem migrantes,
nem orquídeas;
haviam-me dito:
numa velha casa,
e sob uma roupa breve,
os cabelos esquecidos
porque os espelhos não eram convocados,
mesmo assim,
a beleza que sempre
— eram os olhos, isto, o olhar,
ali,
até. |
|
Convocara sim as testemunhas e o dedo
porque — foi dito entre os soluços e os silêncios —
nem saberíamos catalogá-las, de tantas, as faltas,
minhas, muito mais que as naus do catálogo
dos aqueus, muito mais. |
Suave como o entardecer, houvera um tempo,
e agora, ali, distante, a ela, eu disse
[as mãos estavam frias]: |
|
Não vou-te levar sozinha em viagem
ilha. |
Lá, deserta das outras, te tomarias
de ilha e tédio. |
Única maldição: sozinha! |
|
Aqui também — ela disse —
o velho à balaustrada,
ele grita o tempo todo:
"Não é aqui não!"— |
Ilha por ilha. |
Imaginas que o mandei gritar — contra ti? |
Ilha...?! |
|
É no convívio dos espelhos, mulher, mulheres, que te queres bendita: o passo da graça, nem que seja à maneira de desembrulhar teus mortos. |
Haverias de te esquecer de ti
porque das outras,
o Poderoso não falava a sério, acho que não: |
Parirás sob o medo!
Multiplicados sejam os sofrimentos que não são. Verdadeiros, só o tempo-espera, só o tempo-só. |
O resto, tudo volúpia!
|
Volúpia maior: a invasão da pélvis, os humores —
e líquido em bolsa rasgada,
uma respiração ofegante,
como se todos os deuses de tuas narinas respirassem — aonde vais nessa fúria? |
O suor do meu rosto, sim, resigno-me!
|
Não posso fugir sem um espelho!
(Ela disse) |
|
Sagrar os espelhos, entre todas as mulheres, dia e noite, espelhos, a tua sina. |
Eu te trouxe meias pretas.
Calça-as.
Está frio, está noite.
Lá. |
Agora, gostaria de saber:
a quem o velho grita?
|
E, se quiseres deixar avisado,
toma o giz, escreve,
deixa-o à porta da geladeira, mas o teu, escreve-o:
— Fui eu!
Fortaleza, tarde de seca, 15 de maio de 1998
Soares Feitosa |
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