A primeira página a gente nunca esquece
por Kelly de Souza
blog da Cultura (http://cultura.updateordie.com/)
Muitas vezes quando lemos um primeiro capítulo, só algumas páginas, as primeiras, já é possível identificar um bom livro, aquele tal livro. Leitores contumazes, experientes, raposas, águias espertas no reconhecimento de bons livros, sabem que não poucas vezes é possível logo de cara, logo no início, delinear a forma e a narrativa do autor, o que ele tem a oferecer, o que ele quer nos dizer e, principalmente, para onde ele quer nos levar.
Em outras ocasiões, não raras também, lendo o primeiro capítulo já é possível bocejar, não se interessar e até desgostar do todo, mesmo que este seja melhor do que o capítulo lido. Azar. Escolher livro, enfim, é também meio loteria, aliás, é aí que mora um pouco do seu encanto: na surpresa, no mistério de nunca saber ao certo se vamos ou não dele gostar.
Mas bons autores são, em geral, bons prestidigitadores, e logo de chegada, logo na largada mostram “suas garras afiadas”, suas letras mágicas e com elas nos “infectam” e nos atraem rapidamente. Ás vezes, no entanto, lemos o livro inteiro e ainda esperamos o dito começar, porque, quem sabe, não foi pra nós que ele veio se empinar, se oferecer. Cada livro tem seu público certo, sua alma gêmea. O leitor é um pouco parte do livro, porque os autores buscam, em geral, seu leitor de sempre, ou de nunca, que nunca o leram, mas que foi para eles que sempre escreveram. Coisa de biotipo. Coisa entre autor e leitor, de gente que se ama e se encontra na estante, sem querer, sem saber.
Em outras ocasiões, não raras também, lendo o primeiro capítulo já é possível bocejar, não se interessar e até desgostar do todo, mesmo que este seja melhor do que o capítulo lido. Azar. Escolher livro, enfim, é também meio loteria, aliás, é aí que mora um pouco do seu encanto: na surpresa, no mistério de nunca saber ao certo se vamos ou não dele gostar.
Mas bons autores são, em geral, bons prestidigitadores, e logo de chegada, logo na largada mostram “suas garras afiadas”, suas letras mágicas e com elas nos “infectam” e nos atraem rapidamente. Ás vezes, no entanto, lemos o livro inteiro e ainda esperamos o dito começar, porque, quem sabe, não foi pra nós que ele veio se empinar, se oferecer. Cada livro tem seu público certo, sua alma gêmea. O leitor é um pouco parte do livro, porque os autores buscam, em geral, seu leitor de sempre, ou de nunca, que nunca o leram, mas que foi para eles que sempre escreveram. Coisa de biotipo. Coisa entre autor e leitor, de gente que se ama e se encontra na estante, sem querer, sem saber.
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Há poucos anos, quando um turista visitava o cemitério marinho de Sète e pedia ao guarda para indicar-lhe o local do túmulo de Paul Valéry, o funcionário municipal acordava seu cão e dizia- lhe, em tom de comando: — Valéry!
O cachorro, sozinho, levava o visitante ao túmulo do poeta.
Um ministro da Cultura — por que eles têm que se meter nisso? — achou que o procedimento não era respeitoso e mandou proibir o cão de servir de guia às peregrinações literárias. No entanto, conheço um belo retrato de cachorro, feito a lápis, desenhado pelo próprio Paul Valéry. Quando estou em presença de um cão, não consigo parar de me questionar. Talvez seja ingenuidade. Mas minha ingenuidade está em boa companhia, como a de Paul Valery: “O animal, verdadeiro enigma — oposto a nós pela similitude”. (…) O animal é “pobre em mundo”, disse Heidegger, enquanto a “pedra é sem mundo” e o homem é “configurador do mundo”. Esse é o tortuoso caminho que utiliza para elaborar a questão: “O que é o mundo?”.
O trechito acima está nas duas primeiras páginas da obra Da Dificuldade de Ser Cão, do francês Roger Grenier. O autor, amigo e colaborador de Camus na revista Combat, escreveu vários romances (Les Monstres, 1953; Ciné-roman, 1972; La Folie, 1982), mas escreveu também essa deliciosa e surpreendente prosa. Grenier “conta” no livro um episódio da Odisséia, do navegante Ulisses. Este, depois do longo exílio, volta à Ítaca disfarçado de mendigo. Ele é reconhecido apenas por Argos, seu cão, que já bem velho e sem forças só consegue abanar o rabo, principalmente quando encontra o dono. Ulisses, ao vê-lo em seu rito chora, e suas lágrimas dão o tom da cumplicidade que parece só ser possível entre cães e homens. Composto por quarenta pequenas histórias, o livro é uma singela homenagem ao cachorro de Grenier, também chamado de Ulisses, que faz várias aparições ao longo da obra. Grenier começa por esse fio, mas usa um grande novelo para falar sobre literatura, sobre hábitos, sobre pessoas (que amam ou não os cães), e sobre suas histórias, propondo aos poucos uma reunião notável entre artistas e intelectuais de diferentes momentos da história.
O autor constrói um bem-humorado jogo em que as histórias caninas desvendam um mundo de idéias, simbolismos e afetos que nunca se desgarram da “coleira do humanismo”. As pistas estavam lá, nas primeiras páginas, nos parágrafos iniciais, no capitulo 1, era só ler e ser fisgado pela prosa fácil de Grenier.
Outras “primeiras páginas” você confere no site da Cultura, na sessão “Primeiro Capítulo”. É só sentar sem pressa, escolher a literatura que lhe interessa e ir folheando, folheando, não sem antes jogar as pernas por cima daquela almofada-águia, aquela esperta, aquela que nunca fica muito tempo longe, que está sempre por perto, lhe aguardando, pronta, como um cão, como um
Ulisses. O autor constrói um bem-humorado jogo em que as histórias caninas desvendam um mundo de idéias, simbolismos e afetos que nunca se desgarram da “coleira do humanismo”. As pistas estavam lá, nas primeiras páginas, nos parágrafos iniciais, no capitulo 1, era só ler e ser fisgado pela prosa fácil de Grenier.
Outras “primeiras páginas” você confere no site da Cultura, na sessão “Primeiro Capítulo”. É só sentar sem pressa, escolher a literatura que lhe interessa e ir folheando, folheando, não sem antes jogar as pernas por cima daquela almofada-águia, aquela esperta, aquela que nunca fica muito tempo longe, que está sempre por perto, lhe aguardando, pronta, como um cão, como um
E para você...
Qual é a primeira página de um livro que te fisgou ?
3 comentários:
A primeira página de Coração Ferido de Chelsea Cain.
Não pude mais parar!
Sonia, muito legal mesmo.eu lembro que o primeira pagina d eum livro que me fisgou foi o os buendia em cem anos de solidão. demais! Muito bacana mesmo o texto. Abraço da Lina
Das Perfum
O Perfume, Patrick Süskind - autor de uma obra só. Porém... considero um masterpiece da literatura moderna.
Um clásico que me pegou de 1ª foi
Crime e Castigo, Dostoiévski.
Ah, são tantos...
As Tecnologias da Inteligência, Piére Levy - semiótica. Eu sou semioticista mestrando pela UFMG.
Um Milhão de textos me pegaram de primeira.
Cartas do Asilo, Camille Claudel... a lista é vasta!
Abraço,
La leche de la letra es santa,
Besos,
Gustavo
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