Eu era apaixonada pelo Renato Russo, não "paixonite" aguda, era amor mesmo. Eu sentia todas as emoções cantadas nas letras que ele compunha, eu me doia em refrões de amor, eu me sentia perdida, totalmente a mercê daquele moço que tinha os olhos tristes e uma voz capaz de seduzir até as serpentes da Medusa.
Era ele dono de tantas verdades enquanto eu adolescia... Era repleto de referenciais literários e licenças poéticas. Bradava lutas sem armas, guerreava com palavras. Viver naquela época foi um privilégio e uma sorte. Renato Russo era minha asa norte.
A Calcanhoto eu conheci já adulta de alma. Não era mais a adolescente cheia de mistério e de desencontros comigo mesma. Ela cantava outras dores, outros espaços, outras cores e nela me encontrei. Houve um tempo em que eu queria ser ela (cantar como ela, ter aquela voz curta, aquele timbre cadencioso, aquela leveza e aquela tristeza). Lógico que não fui, nem poderia.
Seu repertório não era cheio de bravatas. Nela o samba, a bossa nova, o pop rock e as baladas formavam um novo conjunto de obra com arranjos diferenciados. Era antropofágica, e nos devorávamos. Eu a ela, ela a mim.
Não sei se em algum momento imaginei que poderia ver estes dois ícones da minha história, juntos. Mas, hoje, sei que eles já estiveram numa mesma canção, num mesmo tom, no mesmo refrão e eu me sinto bobamente feliz... emocionada...
Esquadros
Composição: Adriana Calcanhoto
Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...
Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
ah ah...
Um comentário:
Finalzinho de expediente, viajo viajando fundo no seu blog. Encontrar Renato Russo sempre me é uma descoberta novantiga, um reterremoto álmico. Refaz-me poeta; refez. Põe-me os versos à flor da língua, vontades de gritar pelas peles que expelem arrepios. Encontrar Renato Russo é-me eu me perder achando-me.
Pra tentar mexplicar melhor, conto este poema que me exempliamplifica todo:
LIDA CALADA
Sempre que leio, escrevo.
Do que li, escrevo o que não li:
O que lesse, lido em mim.
Há pouco lia Fernando Pessoa.
(Pedro Ramúcio)
Obrigado por esta página bem agora,
Pedro Ramúcio.
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